Missão de paz abre oportunidades para empresas brasileiras no Haiti

18 de agosto de 2008, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos

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Você investiria em uma ilha desprovida de riquezas naturais, onde apenas um quarto das rodovias são pavimentadas, onde falta energia todos os dias, onde os portos são antigos e cobram as taxas mais caras do continente? Acrescente corrupção, violência e instabilidade política.

Considere também um mercado interno onde 75% da população vive com menos de US$ 2 por dia. Esse é o Haiti, a nação mais pobre do Hemisfério Ocidental.

Em meio a esse caos, empresas brasileiras enxergam oportunidades e começam a aproveitar a posição estratégica do Brasil como líder da Missão da Organização das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). Duas gigantes estão prestes a se instalar no país: a Coteminas quer utilizar o Haiti como plataforma de exportação de confecção para os Estados Unidos e a OAS acaba de vencer uma licitação para pavimentar uma rodovia.

A OAS deve assinar o contrato este mês, já o negócio da Coteminas está pendente de mudanças na legislação americana. Nesse caso, o protagonismo do Brasil no Haiti pode ser decisivo. Uma das prioridades da política externa do governo Lula, a missão da ONU era um trunfo para conquistar a boa vontade mundial para a candidatura brasileira a uma vaga no Conselho de Segurança. A estratégia não deu certo, mas pode render frutos econômicos.

“O Brasil é um reconhecido colaborador do processo de resgatar o Haiti. O país tem o direito de pleitear um tratamento preferencial”, disse ao Valor Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas e filho do vice-presidente José Alencar. O empresário já esteve pessoalmente no Haiti e conversou com produtores locais em busca de parceiros. A indústria têxtil haitiana, que chegou a ter mais de 100 companhias na década de 80, hoje conta com pouco menos de 20 empresas. Mesmo assim, ainda representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) e 68% das exportações.

Os benefícios de uma fábrica da Coteminas para um país pobre como o Haiti são óbvios. Cerca de 80% da população está desempregada. O governo brasileiro também sai ganhando. “A saída das forças de paz está relacionada à segurança e ao desenvolvimento econômico”, avaliou o embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman.

Apesar da confusão institucional, o Haiti tem vantagens importantes para oferecer para uma empresa têxtil: proximidade e acesso diferenciado ao maior mercado do mundo, os EUA, e mão-de-obra barata. Uma costureira na capital Porto Príncipe recebe US$ 0,50 por hora. É uma remuneração inferior aos US$ 3,27 pagos no Brasil e muito abaixo dos US$ 16,92 dos EUA, conforme a consultoria Werner. O valor é inferior até aos US$ 0,85 pagos no litoral da China e perde apenas para os US$ 0,46 do Vietnã e os US$ 0,28 de Bangladesh.

O plano da Coteminas é exportar o tecido do Brasil, confeccionar a roupa no Haiti, e vender com tarifa zero para os Estados Unidos, amparada pelo acordo de livre comércio. A vantagem é significativa, pois os EUA cobram em média 17% de tarifa de importação para confecção. Outras empresas brasileiras já planejaram se instalar no Caribe, mas esbarraram nas rígidas regras de origem dos produtos. O tratado EUA – Caribe estabelece que fio, tecido e confecção devem ser feitos nos dois parceiros ou nos países que possuem acordos de livre comércio com os americanos.

Gomes da Silva explica que não é economicamente viável produzir o tecido no Haiti, porque os custos são altos. Segundo uma fonte do setor têxtil, uma fábrica com capacidade para 1 milhão de metros de tecido por ano custa US$ 50 milhões. Para uma confecção de 100 mil peças de jeans, o investimento não passa de US$ 4 milhões.

Para tornar viável o projeto no Haiti, a Coteminas precisa convencer os deputados americanos a alterar o Hope, acordo de ajuda humanitário, que significa “esperança” na sigla em inglês e equivale a um tratado de livre comércio. A empresa contratou o escritório de lobby Sandler, Travis & Rosenberg, de Washington. Na equipe a seu serviço, atuam pelo menos cinco especialistas com bom trânsito no Congresso e no Executivo.

Criado em 2006 e alterado no início do ano, o “Haiti Hemispheric Oportunity trough Partnership Encourajement” é uma iniciativa do governo dos EUA para apoiar o desenvolvimento e o crescimento do Haiti. Trata-se de uma espécie de adendo ao acordo EUA-Caribe, mas com normas mais relaxadas.

Segundo Nicole Collinson, uma das especialistas contratada pela Coteminas e ex-negociadora têxtil assistente do USTR, a regra de origem do Hope é conhecida como “três por um”: para cada metro quadrado de roupa feita com tecido estrangeiro, a confecção do Haiti deve utilizar três metros quadrados de tecido local, americano ou de países que têm livre comércio com os EUA. O Haiti pode exportar apenas 70 milhões de metros quadrados de confecções sem restrição. Um montante semelhante favorece as roupas de tricô.

Gomes da Silva defendeu que os EUA deveriam conceder ao Brasil, apenas no caso do Haiti, o mesmo tratamento a parceiros com acordos de livre comércio. Também há saídas como cotas para produtos que interessam à empresa. Uma fonte graduada disse que a estratégia pode ter sucesso, porque os americanos são sensíveis à situação no Haiti, país que manteve relações quase coloniais com os Estados Unidos. “A atitude do Brasil de liderar a missão de paz é bem-vista em Washington”, disse a fonte.

Outro argumento a favor da Coteminas é que, até agora, o Hope é um fracasso. Conforme a Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (USITC), o impacto do tratado em exportação e geração de empregos é mínimo. Algumas empresas haitianas expandiram operações, mas quase não houve investimento estrangeiro adicional. Por conta das regras de origem, apenas 3% das exportações têxteis do Haiti conseguiram o benefício.

*Fonte: Raquel Landim, de São Paulo
(colaborou Ricardo Balthazar, de Washington)