INFELIZMENTE, UM ARTIGO SOBRE MEDIOCRIDADE

12 de agosto de 2013, às 12h17 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos

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Temos assistido nos últimos dias um prenúncio do que, parece, será a rotina nos próximos tempos, no que tange ao relacionamento entre o Confea e o CAU. O Conselho de Arquitetura baixou uma resolução estabelecendo a exclusividade para os arquitetos em diversas atividades técnicas. O Confea e os Creas reagiram e provavelmente isso vai virar uma ação a ser decidida na justiça.

Sou engenheiro, mas não estou no exercício técnico da minha formação, portanto não estou sendo afetado diretamente nessa briga. Estou dizendo isso para deixar claro que apesar de não conseguir ser 100% isento, não porque não queira, mas por não conseguir me distanciar o suficiente para ser completamente isento, minhas opiniões aqui não são uma defesa de interesses pessoais. Vou apenas tentar analisar o mais friamente possível e sob a ótica da razão e da justiça esses acontecimentos.

E para começar e deixar bem clara minha posição, acho essa briga uma mediocridade sem tamanho. Envergonha-me, como membro de um desses organismos, ver o que e como as coisas estão acontecendo. Para poder embasar essa minha afirmação, vou explicitar alguns pressupostos dos quais parto para minha análise:

1 – Nós da engenharia (e quando digo engenharia, para não ter que nominar todas as profissões sob o guarda-chuva do sistema Confea/Crea, a faço representante das demais) temos uma formação cartesiana, lógica. Entendemos boa parte do mundo sob a ótica causa-efeito. Em muitos momentos e situações isso é apresentado como defeito, quando quer dizer que somos frios, insensíveis. Mas na maior parte das vezes entendemos como virtude. Somos meticulosos, nossas conclusões são baseadas em pressupostos lógicos, racionais. Conseguimos nos isentar um pouco (um pouco) das discussões intempestivas e emocionais.

2 – Os arquitetos, além das características e formação iguais aos dos engenheiros, porque também precisam da matemática, da lógica para seus cálculos e projetos, ainda se gabam de que, além desse viés, possuem também uma formação humanística. Afirmam categoricamente que não são da área de exatas, mas da de humanas. Com isso querem dizer que têm um olhar diferenciado. Que vêem a realidade não somente como uma equação a ser resolvida, mas a vêem através do prisma do bem estar do ser humano.

3 – Os conselhos profissionais são autarquias federais, portanto, são órgãos públicos. Isso quer dizer que têm como atribuição básica o serviço à sociedade, ou seja, direcionar toda sua competência, recursos, energia e vontade em atender a sociedade nas necessidades em que está ao seu alcance fazê-lo. Medidas corporativistas, de proteção e qualificação dos profissionais ligados a esses conselhos têm uma estreita margem de possibilidades, exatamente por sua natureza pública.

À vista disso vamos analisar o que tem acontecido.

O CAU baixou uma resolução definindo algumas atividades técnicas como atribuições exclusivas de arquitetos, ou seja, somente eles podem executar essas atividades. Pois bem, raciocinemos: se eles querem, por lei, garantir essa exclusividade, é porque sentem ou sabem que existem outras profissões que se acham no direito de executá-las também( ou acham que sabem). Como o CAU é um conselho que só regula a vida dos arquitetos e urbanistas, obviamente essa resolução não é para regulamentar a distribuição de mercado entre eles, querem impedir outras profissões de participar. Mas quais seriam essas outras profissões? Obviamente profissionais do sistema Confea/Crea, que é o outro único sistema que possui profissões técnicas nessa área. Resumindo, os arquitetos querem impedir os engenheiros de exercer algumas atividades que eles acham que só eles têm competência para tal.

O problema é que a lei que criou o CAU, e que foi escrita por eles próprios, tem um artigo que deixa bem claro que qualquer decisão que implique decisões de atribuições entre as profissões dos dois conselhos devem ser tomadas em conjunto. Estão descumprindo claramente uma lei que eles mesmos criaram. Após diversas reações soltaram um nota explicando as razões éticas, morais e mesmo legais que, dizem, embasam a elaboração da resolução. Balela. Não existe razão moral ou interpretação legal que legitime a violação de um artigo, que não dá margem à interpretação, de uma lei que eles consideraram boa, tanto que a escreveram. Isso, a meu ver, só pode ser motivado ou por má fé,ou por uma opção estratégica. Prefiro pensar que é a segunda opção, senão teria que pensar que uma classe tão importante, de profissionais sérios e competentes estaria nas mãos de pessoas com esse nível ético. Não. Prefiro pensar que é uma estratégia em que com isso testam os limites e poder de reação do adversário (por que fica claro que consideram o sistema Confea/Crea adversários e não parceiros). Aí não seria uma questão de ética, apenas de uma enorme mediocridade.

Querer garantir mercado por estabelecimento de exclusividades, além de ir frontalmente contra a natureza pública do conselho que deve servir a sociedade e não a uma classe profissional, ainda é um movimento contra a correnteza. Cheira a reserva de mercado, protecionismo, etc.

A natimorta Resolução 1010 do Confea partia de um princípio que trazia todo o sistema para a modernidade: faz quem sabe fazer. Quem souber comprovadamente executar uma tarefa técnica tem atribuição para executá-la. E entenda-se saber não apenas como experiência prática, mas com saber formal necessário. A atribuição é dada não pelo título mas pelo que o profissional realmente aprendeu a fazer. E a resolução 1010 não conseguiu se implantar até agora no sistema Confea/Crea, exatamente pela mesma mediocridade que existe no lado de cá.

Se antes a preocupação era dar atribuição a quem não tinha conhecimento suficiente, com a resolução do CAU o problema se inverte, é tirar atribuição até de quem sabe fazer. Puro corporativismo.

Uma proposta interessante é que se alguma profissão quer garantir exclusividade de atuação, que faça gestão junto ao MEC e garanta a exclusividade na formulação dos cursos. A profissão que quiser ter exclusividade que garanta que a escola que forma seus profissionais seja a única a fornecer esse conteúdo.

A reação a essa iniciativa ou vai ser uma troca de resoluções de um lado e de outro tentando garantir o espaço no mercado de cada um, ou ações a serem decididas na justiça. E em qualquer caso fica evidente a mediocridade da situação. Ou vai ficar parecendo uma briga de meninos se engalfinhando para decidir quem é o dono da bola, ou vai criar a seguinte situação: vamos pagar uma pessoa que estudou direito durante cinco anos para explicar a uma outra pessoa que também estudou direito durante cinco anos, e depois estudou um pouco mais até se tornar juiz, para decidir para nós aquilo que nós sabemos e podemos fazer, porque nós que estudamos engenharia ou arquitetura durante cinco anos não sabemos decidir. É isso? Não seria mais simples e barato elegermos os presidentes do CAU e do Confea, advogados? Se nos declaramos incompetentes para decidir e delegamos a eles, passemos o poder a eles de vez. (ao invés de invejarmos tanto os advogados como sempre ouvimos quando fazemos essas comparações, ao contrário, deveríamos ser admirados e agradecidos por eles, pois afinal, parece, que somos nós quem mais valoriza suas profissões).

Para terminar, gostaria apenas de deixar um apelo às lideranças dos dois conselhos: senhores, procurem outra coisa para brincar e deixem os profissionais trabalhar, afinal temos um país a construir.

 

*WILSON XAVIER DIAS
wxdias@gmail.com | engenheiro Eletricista formado pela Universidade Federal de Itajubá, em 1981. Foi presidente da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Sumaré, SP, assessor do Confea e, atualmente é assessor da presidencia do Crea-DF