Umidade ascendente

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 2 minutos

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Sylvio Nogueira, arquiteto CREA347-D/RJ. Escritório em Curitiba/PR. Ex-bolsista na Technische Hochschule Stuttgart. Ex-professor na PUC/PR

São muitos os adquirentes de imóveis que sofrem (e construtores que recebem reclamações) por pulverulências de revestimentos em faixas inferiores de paredes térreas. A causa mais freqüente, desse dano, está vinculada ao fenômeno chamado umidade ascendente, sobre o qual se faz necessário comentar :

Poucos construtores, professores e pesquisadores – hoje vinculados a obras civis convencionais – já ouviram falar de “papelão alcatroado”; e, dentre aqueles que ouviram, a esmagadora maioria está convicta de que se tratava, apenas, de “uma forma, muito antiga, de impermeabilizar as vigas-baldrame”.

Baseados nessa enganosa “certeza”, muitos arquitetos, engenheiros, construtores, mestres-de-obras, etc, abandonaram aquele “idoso produto”, passando a besuntar as faces expostas dos baldrames com emulsões asfálticas (ou acrílicas), pois tal procedimento lhes pareceu “mais lógico”, “mais prático” ou “mais moderno”…

Sucede, contudo, que estamos presenciando, há décadas, um flagrante e constrangedor equívoco técnico, cujas conseqüências têm sido suportadas por legiões de leigos – e indefesos – adquirentes de imóveis, que sofrem sob danos em revestimentos ou marcenarias, formações de fungos, recintos insalubres, alem de intermináveis tentativas de reparos (com massas poliméricas e afins) , perícias técnicas e/ou demandas judiciais.

Com efeito, vejamos:

1 O concreto – sabidamente poroso – deve ser obvia e adequadamente impermeabilizado, contra a umidade do solo, seja por adição de densificadores, hidrófugos de massa ou por quaisquer outros processos assemelhados; mesmo porque a umidade pode ascender pelos próprios corpos do lastros.

2 Ocorre que o banido papelão alcatroado (ou cartão “kraft” betumado) desempenhava funções únicas, impossíveis de substituição por emulsões, asfálticas ou sintéticas, ou por quaisquer outras películas selantes; de fato, cortado segundo largura folgadamente superior à do baldrame, o “esquecido” cartão sobrava para os dois lados, a saber:

2.1 Para o exterior: formando “dente” inclinado (apoiado em ripa chanfrada), que servia de gabarito ao emboço, operando, depois, como pingadeira pluvial;

2.2 Para o interior: aba de 4 ou 5 centímetros, provisoriamente dobrada, para cima, até o lançamento do lastro; esta dobra servia, apenas, para retornar à horizontal – antes do lançamento do contrapiso –cobrindo (vedando) a interface baldrame x lastro, onde surgem, fatalmente, fissuras capilares por retração deste último.
3 Ora, a umidade retida no solo (seja pelo perfil do terreno e suas vizinhanças, seja por drenagem insuficiente do lençol, etc, etc) tende a ascender pelas interfaces desprotegidas (óbvio que entre o lastro e o flanco – apenas besuntado – do baldrame persistirá uma fresta capilar) e pelas paredes térreas (tijolos, chapisco, emboço, reboco), gerando pulverulências em massas e ruínas em pinturas (tintas acrílicas sofrem sob a forma de bolhas).

Como se vê, a construção civil urbana brasileira ainda não se deu conta de que trocou um produto comprovadamente eficaz (e baratíssimo!) por emulsões vedantes literalmente inúteis (e bem mais caras); e tampouco tem considerado a alternativa de usar mantas plásticas, espessas, para desempenhar aquela fundamental e proscrita função. A prática em patologias construtivas revela que grande parte dos diagnósticos se forma a partir do exame de geometrias e/ou de procedimentos tradicionais faltantes, com realce para aqueles atropelados (esquecidos) pelo distanciamento teórico das cátedras acadêmicas e pela flagrante desinformação técnica hoje observada nos canteiros de obras.