Ética e técnica na política

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Sátyro Pohl Moreira de Castilho, engenheiro civil, presidente do Crea-MT. Inserido em 10/05/2004

Dentro de poucas semanas estarão definidos os nomes dos candidatos às prefeituras de todo país. Grande parte das prefeituras de Mato Grosso é desaparelhada nas áreas de Engenharia e Arquitetura. Não raro, o corpo funcional das prefeituras não possui profissionais que pensem a política agrícola municipal ou o urbanismo da cidade ou que desenvolvam estratégia para conseguir recursos que garantam investimentos em saneamento, em política ambiental ou em outras áreas afins. É comum verificarmos que, embora os recursos para infra-estrutura no país sejam parcos, em algumas contas disponíveis sobra dinheiro porque não houve competência de municípios na captação.

Independentemente de coloração política, é importante que os profissionais ligados ao sistema Confea-Crea sejam candidatos às prefeituras. Quero ressaltar que não estou me dirigindo a pessoas que, embora sejam profissionais ligados ao sistema, não militam profissionalmente. Dedico este espaço a engenheiros de todas as áreas, arquitetos, técnicos, geólogos, geógrafos, entre outros, que atuam e que estão atualizados profissionalmente e que, portanto, podem – ao assumir um mandato – lutar para que o município conquiste avanços em áreas de grande importância sócio-econômica, com soluções técnicas e com economia de gastos.

No último final de semana, passava – na televisão – o filme “Gabriela”, lastreado em obra literária de Jorge Amado. A grande expectativa da cidade, mostra o filme ambientado no início do século XX, é pela chegada de um engenheiro para buscar soluções técnicas para a dragagem do canal que separa Ilhéus do continente. O assoreamento do canal impedia a chegada de barcos grandes e, portanto, restringia a exportação do cacau, encarecendo o produto. Em uma cena do filme, um rapaz corre pela cidade gritando: “O engenheiro chegou, o engenheiro chegou…”.

A ficção, não raro, imita a realidade ou tem origem nela. Hoje, os municípios mato-grossense carecem de profissionais ligados à Engenharia para resolverem problemas de crescimento. Em alguns casos, os municípios pagam hoje o erro de não terem seguido soluções técnicas no passado e enfrentam problemas de erosão nos limites da cidade ou custo maior para implantação de obras de saneamento ou, ainda, empobrecimento do solo, entre outras falhas. Um prefeito de perfil técnico certamente poderá corrigir a rota do desenvolvimento, com melhores condições de buscar recursos e aplicá-los da forma mais adequada.

Portanto, os profissionais ligados ao sistema Confea-Crea precisam se organizar nos municípios em prol da escolha do prefeito adequado. Em último caso, se não houver candidatos de formação técnica, que ao menos os profissionais com registro no Crea pressionem democraticamente os que almejam o executivo municipal, arrancando deles compromissos em prol de decisões que garantam o desenvolvimento sustentável local.

Se cada município mato-grossense conseguir o seu desenvolvimento sustentável, teremos um Estado desenvolvido estruturalmente, não apenas em termos de sacas de soja, mas com perspectivas sociais e ambientais. Uma decisão errada no momento de se fazer um projeto técnico pode resultar em anos de atraso para uma região. Podemos exemplificar com a decisão sobre traçados de rodovias municipais, que deve conciliar proximidade de regiões produtoras com atendimento a comunidades e preocupações com impactos da obra. A conjugação desses fatores, entre outros, deve ser definida por um técnico, e não por apontamentos políticos, ou melhor, politiqueiros.

A ética na política relaciona-se com a técnica na política. Uma decisão técnica é, certamente, uma decisão ética, justamente porque a técnica prevê a relação de critérios que almejam o bem público. Quando uma decisão é travestida de técnica, porém tem lastro em deturpações políticas, certamente não é uma decisão ética e, mais cedo ou mais tarde, dará frutos podres para o futuro da região.

Há 40 anos, fui prefeito em Rondonópolis. Na época, não deixei de ser engenheiro civil para ser prefeito. Anos 60, não havia, além de mim, outro engenheiro civil na cidade. Eu mesmo fiz projetos que viabilizaram obras e infra-estrutura para a cidade. Ao fim do mandato, continuei militando profissionalmente. Faço aqui o apelo para que os profissionais do sistema Confea-Crea disputem as próximas eleições porque vivi a experiência e sei o quanto o conhecimento técnico relaciona-se com os anseios de populações que querem, apenas, o direito de viver dignamente, com moradia, com saneamento, com acesso ao trabalho, com alimentos. Em resumo, a atuação técnico-profissional é sim um ato de Política, com “P” maiúsculo.

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Este espaço é atualizado toda segunda-feira