Esmola para o saneamento

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 2 minutos

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Sátyro Pohl Moreira de Castilho, engenheiro civil, presidente do Crea-MT

Certa vez, quando prefeito de Rondonópolis, decidi que priorizaria obras de saneamento no município. Isso há 40 anos, década de 60. Achavam-me louco, afinal “enterrar obra” não dava voto. Providenciei projetos e fui bater na porta do Palácio do Planalto. Embora fosse prefeito de partido oposicionista, o então presidente João Goulart liberou recursos simplesmente porque os argumentos que apresentava eram decisivamente técnicos. As obras foram possíveis e, embora enterradas, foram sim garantia de melhor qualidade de vida aos munícipes.

Lembrei desse fato ao ler, dias atrás, que o governo federal vai liberar – via Caixa Econômica Federal – R$ 3 bilhões para água e esgoto durante todo o ano de 2004. Infelizmente, faltou senso crítico da nossa imprensa nacional ao avaliar a divulgação, feita com certo estardalhaço às vésperas do Dia Mundial da Água. Ora, R$ 3 bilhões não significam nada em termos de recursos para água e esgoto.

São mais de 100 milhões de brasileiros sem acesso a essas obras, cerca de 60% da população, em parte culpa pela ausência histórica de recursos, em outra parte culpa da mentalidade política que prefere inaugurar prédios em beira de asfalto para que funcionem como out-doors de governantes. Acontece que o Brasil já sente os efeitos trágicos de tal distorção. Ou alguém se aventura a entrar em alguma praia do rio Cuiabá, na capital mato-grossense?

Córregos de cidades de médio porte, em todo o país, estão sendo enterrados e se transformam em esgoto a céu aberto. Nascentes estão se perdendo. O Brasil, que tem em seus recursos hídricos uma forte arma para o futuro, está enterrando literalmente essa vantagem, a partir do momento que prioriza políticas econômicas e sociais que não são voltadas para a conservação desse patrimônio.

Na verdade, é importante que profissionais do sistema Confea-Crea tenham voz mais ativa em tal tema. Lembro que estamos em ano eleitoral. O que o prefeito de sua cidade fez em busca de soluções para o tema “Saneamento” no município? Buscou recursos federais? Elaborou projetos técnicos devidamente embasados? Tem em sua equipe profissional qualificado para pensar e lidar com o tema? Procurou inserir o município na discussão mundial sobre preservação de recursos hídricos?

Vale ressaltar ainda que o setor de pesquisas no Brasil infelizmente não tem merecido a devida valorização, seja nas universidades, seja pelo próprio mercado. O pesquisador brasileiro – que se preocupa realmente em buscar soluções pertinentes para um país com as características que temos – não tem recursos, não tem apoio, não tem respaldo, salvo exceções que confirmam a regra.

O resultado? Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só 47% dos municípios brasileiros possuem saneamento básico. Na era da tecnologia globalizada, milhões de pessoas ainda vivem na mesma situação de dois ou mais séculos atrás quando o assunto é saneamento. É um passivo que só aumenta, porque gera conseqüências em efeito cascata nas áreas de saúde, meio ambiente, segurança alimentar etc.

E apesar disso tudo, em Brasília ainda se faz “coletivas” para anunciar R$ 3 bilhões de recursos voltados ao saneamento.
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Este espaço é atualizado toda segunda-feira. Publicado em 05/04/2004