Arquitetura, engenharias e questões sociais
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
Engenheiro civil Sátyro Pohl Moreira de Castilho, presidente do Crea-MT
As profissões ligadas ao sistema Confea-Crea não podem se fechar no tecnicismo ou no mecanicismo. Nossas profissões precisam ter um amplo cunho social. Somos, sim, profissionais da área social, embora nossas profissões estejam classificadas, praticamente todas, nas áreas exatas, tecnológica e agrárias. A verdade é que não haverá nunca um projeto de atendimento social no país que consiga vingar sem a atuação de engenheiros, arquitetos, agrônomos, entre outros.
Faço essa consideração para enfatizar a importância da Engenharia Civil e da Arquitetura na busca de soluções em prol da reinserção de pessoas infratoras, independentemente da idade, no convívio social. Em grande parte as políticas de atendimento não alcançam seus objetivos porque essas pessoas são jogadas em lugares insalubres, indignos do que preceitua a lei. O Brasil, em sua legislação, adotou o princípio da recuperação do indivíduo. Esse princípio não será alcançado com o desenvolvimento de políticas de internação inseridas em locais inadequados.
De um lado, administradores públicos precisam estar mais conscientes da necessidade de desenvolvimento de prédios para recuperação do indivíduo com a presença ativa do profissional da Engenharia e da Arquitetura. De outro, nossas profissões precisam estar conscientes do quanto é necessário o debate sobre novas técnicas construtivas que priorizem o processo de socialização, garantindo também a segurança da sociedade.
Acontece que estamos obviamente em um país com ausência completa de recursos. As decisões construtivas são tomadas sempre em caráter emergencial e raramente com o devido planejamento. No entanto, o custo de projetos adequados para a recuperação do indivíduo, dentro de filosofias interdisciplinares, é menor do que o somatório do ônus que recai sobre a sociedade com cada pessoa que entra em reformatórios, cadeias, penitenciárias e sai, após algum tempo, sem qualquer recuperação e, não raro, preparada para ser mais audaz em atos contrários ao Código Penal. Chego à conclusão de que o imposto que ajudei a pagar, usado na manutenção desses lugares, foi para o lixo.
Lógico que não estamos tratando de uma equação simples ou simplória. Mas temos exemplos do quanto é preciso o melhor desenvolvimento na construção desses prédios. Recentemente, foi inaugurada a Penitenciária de Segurança Máxima da Mata Grande, em Rondonópolis, com a presença do então ministro da Justiça, José Carlos Dias. No momento da inauguração, já houve um motim. O ministro teve que sair correndo, frente às câmaras de TV, em imagem que correu o Brasil. Após este episódio, o lugar já foi palco de carnificinas. Até que ponto houve a adequação do projeto de Engenharia e de Arquitetura para as pessoas que seriam colocadas ali?
Há alguns anos, o governo de Mato Grosso decidiu construir uma penitenciária próxima ao centro de Cuiabá. Na época, era um lugar ermo, mas bastava um pouco de raciocínio para a previsão de que, após um tempo, seria um lugar amplamente habitado. Pois bem, o então governador Pedro Pedrossian falou: “Eu quero no lugar em que o povo enxergue a obra do governador”… E construiu a penitenciária em plena avenida Fernando Corrêa da Costa, um dos lugares, hoje, mais movimentados da cidade. Em alguns anos, o investimento foi desativado por falta de operacionalização devido ao processo de urbanização do lugar.
Aí tomaram outro prédio, onde funcionaria a Academia de Polícia, e adequaram para presídio. Hoje, as guaritas do Presídio do Carumbé estão a poucos metros de residenciais populosos da cidade. Em outro ponto de Cuiabá, construiram a Penitenciária “Pascoal Ramos”, às margens da principal rodovia de acesso à cidade e em um bairro de trabalhadores. São exemplos de que tais obras parecem estar afastadas de planejamento, tanto se consideradas em seu interior, quando em sua inserção no processo de urbanização.
O tema é amplo. Quero apenas despertar a atenção para a relação entre nossas profissões e a recuperação social de um país, em todos os seus aspectos, inclusive no afastamento das pessoas de atos que as relacionem aos artigos das leis penais. Pesquisa recente mostra que mais de 90% dos presos das penitenciárias de Mato Grosso não possuem o 1º grau completo. É a prova de uma coisa: praticamente só pobre entra na cadeia porque há impunidade para quem possui condições de pagar um bom advogado. Cabe ao engenheiro e ao arquiteto trabalharem para ao menos propiciar melhores condições de recuperação àqueles que tiveram contato com o crime fundamentalmente pelo tipo de berço em que nasceram. Cabe ao engenheiro e ao arquiteto se fazerem escutar por autoridades que, não raro, têm ouvidos apenas para questões distantes dos problemas sociais. Este é um campo sim da Engenharia e da Arquitetura que, no momento, está contido na falência do nosso sistema prisional.