Imaginem Cuiabá com 1 milhão de habitantes
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
Engenheiro Civil Sátyro Pohl Moreira de Castilho, presidente do Crea-MT
Cheguei a Cuiabá no início dos anos 60, recém-formado em Engenharia no Paraná. Naquela época, em todo Mato Grosso de Ponta Porã a Aripuanã tinham apenas sete engenheiros civis, dois deles também ligados ao Crea-MT ainda hoje: Ézio Calábria e Mario Saul. Cuiabá era uma cidade pequena, cerca de 50 mil habitantes, que moravam na região central e no Porto. O Coxipó era uma vila totalmente desligada do centro: não existiam casas onde hoje fica a avenida Fernando Corrêa da Costa. A rodoviária era na rua Miranda Reis, justamente por que ali era um dos limites da cidade. Não existia Rua Carmindo de Campos, muito menos avenida Miguel Sutil ou Rubens de Mendonça. O córrego da Prainha não era canalizado, o CPA não estava nem em projeto e assim por diante. Imaginem que nem mesmo a avenida Mato Grosso existia.
Para se chegar a Cuiabá, não havia asfalto. Como engenheiro, fui responsável justamente pela conservação das rodovias de acesso. É fácil imaginar o que era a estrada na Serra de São Vicente, de terra. A cidade ainda era intimamente ligada ao rio, que não era poluído na zona urbana. Na política, vigoravam duas fortes alas, PSD e UDN, que como em todo país se digladiavam. Era o governo de Jânio Quadros e a capital sonhava com o desenvolvimento, já que o Brasil tinha um mato-grossense no poder.
O sonho de Jânio Quadros morreu logo e Cuiabá entrou em um processo de estagnação muito forte. Somente no início dos anos 70 a cidade encontrou novas possibilidades de desenvolvimento. Surgiu a Universidade Federal de Mato Grosso e novos projetos de urbanismo foram implementados, entre eles a construção do Centro Político Administrativo e dos bairros próximos, bem como do Estádio do Verdão. Paralelamente, o governo federal iniciava um discurso de ocupação de Mato Grosso, bem como de toda a Amazônia Legal.
Nos anos 70, uma forte migração aconteceu de diversos pontos do país para Mato Grosso. Mas Cuiabá não recebeu os investimentos necessários para atender esta nova demanda. A cidade, que já era carente em saneamento básico, viu sua população quadruplicar em poucos anos. Toda a margem da avenida Fernando Corrêa da Costa tornou-se habitada, por exemplo. No hoje Bosque da Saúde, onde era garimpo, passou a ser bairro residencial. As cabeceiras dos córregos começaram a se deteriorar.
Embora já contando com grande número de profissionais de Engenharia e Arquitetura, não houve uma preocupação das administrações de Cuiabá com o planejamento da cidade voltado para o futuro. E o futuro daquela época, virada dos anos 70 para 80, hoje inclusive já passou. Vivíamos ainda um tempo de ditadura, onde as decisões eram de cima para baixo e não existia qualquer possibilidade de controle popular sobre o desenvolvimento da capital. A até então pacata Cuiabá começava a ganhar problemas sociais como resultado inclusive da ausência de um projeto de urbanismo.
Os anos 80 se foram, passou-se a década de 90 e hoje falamos de onda de violência, de poluição do rio, de falta de saneamento básico e de carência habitacional. Falamos de filas no Pronto Socorro, de escolas sucateadas, de trânsito confuso, de córregos mortos. Falamos de assoreamento, de desmatamento, de peixe caro… Enfim, temos hoje uma coleção de problemas em Cuiabá que poderiam ter sido ao menos amenizados caso estivessem na pauta de discussão de prefeituras passadas, governos estaduais passados, assembléias legislativas passadas. Muita gente lutou por avanços sociais, mas pouco do que se discutiu, se pesquisou e se propôs encontrou guarida nos meios decisórios. Houve sim omissão e temos que correr atrás do prejuízo.
Hoje temos um arcabouço legal que não existia nos anos 70 e 80, incluindo o controle popular nas decisões de políticas públicas. Porém, infelizmente, os organismos de decisão colegiada não raro atuam distantes dos gabinetes executivos. Vale exemplificar que, embora a Rio 92 tenha ocorrido há mais de dez anos, a capital atualmente não tem uma Agenda 21. Acompanhamos também a discussão de planejamento habitacional de forma meramente conjuntural e não com visão de longo prazo. Verificamos que a administração pública tem pouquíssimos profissionais em seus quadros para pensar o urbanismo em todos os seus sentidos. Percebemos que o aglomerado urbano não evolui com a rapidez necessária…
Nos anos 60, quando cheguei a Cuiabá, existia uma cidade de 50 mil habitantes que sequer imaginava alcançar 500 mil moradores no futuro próximo. Hoje, a capital está inserida numa região, denominada de Grande Cuiabá, onde moram cerca de 800 mil pessoas, segundo estimativas mais contidas. Somente Cuiabá tem quase 600 mil moradores. A cidade precisa acordar para uma realidade: quem é jovem hoje assistirá a capital com 1 milhão de habitantes. E, se a visão de desenvolvimento não for alterada, quem é jovem hoje irá morar em uma cidade onde os problemas não serão mais os de hoje, porque serão bem piores.