Irmã Leonora luta pela terra em meio a violência recorde
13 de março de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos
Fonte: Repórter Brasil
Irmã Leonora Brunetto, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Alta Floresta, Mato Grosso, conhece de perto a realidade por trás do estudo publicado no último dia 27 de fevereiro, pela Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), que hierarquiza os municípios brasileiros segundo seus índices de homicídios.
É ela a responsável pelo trabalho da CPT nas cidades de Colniza, líder do ranking, e diversas outras do Norte mato-grossense, que figura como uma das regiões mais violentas de todo o país.
Evitando falar de seu telefone celular – que estaria grampeado por fazendeiros da região avessos a sua militância – ela encontra justificativa para os altos índices de homicídios na área na omissão do Estado, especialmente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e na concentração fundiária. E, entre ameaças e intimidações, faz sua parte na busca pelo fim da violência no campo.
Em sua trajetória de luta, nem obstáculos como o latifundiário Sebastião Neves de Almeida, conhecido como “Chapéu Preto”, que ganhou fama internacional devido às acusações de crimes como grilagem e uso de mão-de-obra escrava, têm sido capazes de detê-la. Serena, ela explica sua resistência: “A gente vai tocando, porque eles não têm mais força do que quem está me defendendo”. Desde 2003, irmã Leonora acompanha as 350 famílias do acampamento Renascer, cujas terras estão em nome de Neves, e que já foi palco de diversos confrontos, levando inclusive à morte de trabalhadores rurais.
Repórter Brasil – A senhora recebe com surpresa o estudo que aponta essa região como uma das mais violentas do país ou isso já era conhecido de longa data?
Irmã Leonora Brunetto – A gente não tinha um levantamento, mas eu sempre falei que achava que aqui é muito pior do que pensam, e talvez muito pior do que o Pará, porque aqui, pelo fato de o Estado ter sido ausente, e por não haver movimentos junto a esse povo, foram feitas barbaridades. E elas continuam, porque somos uma força pequena. Não é qualquer um que tem coragem de enfrentar isso. Já há uma boa parte da população que nos apóia, mas essa região é terrível.
Falou na ausência do Estado… Que outras variáveis poderia colocar como responsáveis pelos altos índices de violência?
O projeto local de colonização traz o pequeno agricultor para ser usado e, assim que ele não for mais útil, o leva embora. Isso massacrou nossos trabalhadores, que vieram, trabalharam nas madeireiras e ficaram sem nada. Na verdade, foram usados. Foi um projeto planejado para uma economia de poucos. Isso também é um fator de violência muito grande…
A concentração de renda e de poder?
Sim. A CPT Nacional quer dar mais força aqui. É uma região que realmente precisa desse auxílio.
Um estudo como esse, visto a distância, transmite a frieza dos números, mas não dá a dimensão de como isso se manifesta no dia-a-dia. Como aparece essa violência no cotidiano?
Em Marcelândia, que está próxima de Colniza, e também daqui, a violência contra o pequeno agricultor no campo está muito grande. Colniza aparece como campeã porque lá até existe o trabalhador que começa a gritar, mas há uma surdina, em que ninguém percebe nada, não se consegue levantar reivindicações.
Contou que seu telefone está grampeado. Ele está sendo rastreado pela Polícia Federal (PF) por conta das ameaças?
Estava sendo rastreado pela PF, mas agora não mais. Agora, é pelos fazendeiros.
Mas o autor das ameaças continua sendo o “Chapéu Preto” ou você tem sido alvo de outras pessoas, recentemente?
As recentes são de novos inimigos. É uma equipe, a mesma que está ameaçando o bispo do Pará (Dom Erwin Kräutler), a mesma que matou Dorothy (Stang). É uma associação de fazendeiros, que estão todos unidos a esses nossos.
Quando foi a última ameaça que recebeu deles?
Em novembro. Mas, em minha casa, estão chegando pessoas à noite, batem na porta, reviram coisas que estão lá fora. São sinais que já faz 15 dias que estão acontecendo. A gente sabe que são eles, para nos amedrontar.
E essa tática está dando certo?
A gente vai tocando, porque eles não têm mais força do que quem está me defendendo.
Mas você não tem receio de que possa acontecer algo mais trágico? Não tem vontade de desistir da luta para evitar algo mais sério?
Não, porque, se eu o fizer, vai ter muita gente que não terá ninguém para defendê-los. Mas, claro que há momentos em que a gente fica apreensiva. Não tanto com medo, mas sabemos que todos nós queremos a vida, não a morte. Mas, se for em favor da população, não me importa, porque sei que a vida é passageira e uma hora ou outra a gente tem que partir.
No fim de 2005, houve uma diligência do Incra e de uma comissão da Secretária Especial de Direitos Humanos para ouvir as pessoas no assentamento Renascer, em Nova Guarita. Houve algum desdobramento dessa visita?
Por vários meses, a gente ficou tranqüilo, ninguém mais mexeu conosco. Mas sabíamos que era um silêncio quase obrigatório, porque o delegado da PF falou para eles – fazendeiros: “Se vocês querem o bem de vocês, têm que cuidar da irmã, porque se acontecer alguma coisa com ela, serão vocês os culpados”. Então, eles tiveram receio e pararam por aí. Agora, nós sabemos que o Incra tem muita culpa nisso também.
Por quê?
O órgão não toma decisões. Nós fizemos um assentamento na área do Sebastião Neves de Almeida e até hoje o Incra não veio com o oficial de justiça para retirar o caseiro e proibir o Sebastião de entrar na área. Ele continua entrando, com grande perigo para o nosso povo, ameaçando-os – e o caseiro também. Então, sabemos que o Incra tem culpa também, por ser muito lento.
Você já vivenciou casos de violência perto de Colniza ou considera que a tensão, em termos de agressões, pode ser até maior em Alta Floresta?
Em termos de agressões contra os trabalhadores que buscam acesso às terras, Colniza é pior. Agora, quanto a trabalho escravo, a região de Alta Floresta, Nova Bandeirante e Apiacás é pior.