A “única via” possível na Terra

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 10 minutos

Compartilhar esta notícia

A “ÚNICA VIA” SOCIOAMBIENTAL POSSÍVEL NA TERRA

“A morte anunciada” do planeta não vai acontecer, já está acontecendo. No contexto desse processo catastrófico em curso, não deveria existir muito espaço para discutir “tipos de vias para o futuro da humanidade”, pois existe uma só via possível: a sustentabilidade eco-social ou sócio-ambiental de todos na Terra.

Duas recentes catástrofes eco-sociais, o tsunami nos litorais pobres da Ásia e os furações que atingiram a bela e surpreendentemente também pobre New Orleans, no país mais rico, depredador e consumista da Terra são fatos evidentes desse processo já irreversível. Igualmente, fazem parte desse processo de morte a perda permanente da biodiversidade e dos recursos genéticos ocasionada pela derrubada das florestas naturais, a perda dos solos férteis, a contaminação dos rios, dos mares e do ar, bem como tantos outros processos e fenômenos de destruição das diversas formas de vida na Terra.

Tudo isso já foi dito e escrito muitas vezes e de diferentes formas, muitas chamadas e clamores têm sido feitos e muitos manifestos têm sido lançados em todos os cantos da Terra, entretanto ainda não se consegue deter esse processo de produção e consumo dos recursos naturais que fatalmente está destruindo o planeta. Talvez muito já foi escrito sobre “o que fazer?”, entretanto sobre “como fazer?” e “com quem fazer?”, que são perguntas elementares, ainda não temos respostas satisfatórias.

Zigmunt Bauman (2000) afirma que sabemos o que devemos fazer, entretanto não sabemos como e com quem fazê-lo. O autor refere-se, numa perspectiva política mais ampla, à dificuldade de atuar num mundo globalizado em mãos de poderosas corporações que geraram seres individualistas e solitários, no qual o “triplo veneno da insegurança, da incerteza e da instabilidade” não permite estruturar processos socialmente organizados e unificados para lutar contra a pobreza e a desigualdade social. Pode-se agregar que o mesmo acontece na luta para preservar as condições ambientais de vida. No dizer de Bauman, o mundo de hoje é produto do neoliberalismo, “da economia política da incerteza” ou seja, “pôr regras para pôr fim a todas as regras”. Essa é evidentemente a finalidade e o problema essencial do neoliberalismo, ter a liberdade absoluta de explorar o ser humano e de depredar, produzir e consumir os recursos naturais sem controle nem racionalidade social.

Já Michael Löwy no seu trabalho Ecologia e Socialismo (2005) e numa perspectiva mais eco-social ou sócio-ambiental, também necessariamente política, explica que o “ecossocialismo” é uma corrente de pensamento e ação ecológica que se desenvolveu nos últimos 30 anos com os aportes de diversos autores de linhas políticas não homogêneas. Caracteriza-se fundamentalmente por uma posição crítica ao produtivismo, tanto aquele da lógica do mercado e do lucro capitalista, bem como do autoritarismo burocrático vivido nos países do “socialismo real”. Para o autor, o produtivismo nos dois casos é incompatível com as exigências de preservação do meio ambiente natural.

No seu trabalho, Löwy cita a James O’Connor, um dos mais importantes representantes desta corrente de pensamento, e quem define como ecossocialistas ”as teorias e movimentos que aspiram a subordinar o valor de troca ao valor de uso, organizando a produção em função das necessidades sociais e das exigências da proteção do meio ambiente. O seu objetivo, um socialismo ecológico, seria uma sociedade ecologicamente racional fundada no controle democrático, na igualdade social, e na predominância do valor de uso”. A esta definição, Löwy agrega que “tal sociedade supõe a propriedade coletiva dos meios de produção, um planejamento democrático que permita a sociedade definir os objetivos da produção e dos investimentos, e uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas”.

Como pode ser verificado, os dois autores propõem um planejamento global da produção e consumo de modo que toda a sociedade participe de seus benefícios, que faça parte do controle e fiscalização dos recursos ambientais de propriedade coletiva e em que se privilegie o valor de uso dos produtos para o bem-estar social e não seu valor de troca para o lucro individual. É por isso que se afirma que o combate para salvar o meio ambiente e pela conservação dos recursos naturais é necessariamente o combate por uma mudança radical de civilização.

Löwy assinala que o “raciocínio ecossocialista”, se sustenta em dois argumentos essenciais: 1) “O modo de produção e consumo atual dos países capitalistas avançados, fundado numa lógica de acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias) de esgotamento dos recursos, de consumo ostentatório, e da destruição acelerada do meio ambiente, não pode, de modo algum, ser expandido para o conjunto do planeta, sob pena de uma crise ecológica maior”. O autor agrega que generalizar para o conjunto da população mundial o consumo médio de energia dos Estados Unidos, significa que as reservas conhecidas de petróleo seriam esgotadas em dezenove dias. 2) A expansão da civilização fundada na economia de mercado – mesmo sob a atual forma brutalmente desigual – ameaça a própria sobrevivência da espécie humana. A preservação do meio natural é, portanto, imperativo essencial da vida de todos.

Esses dois argumentos da corrente de pensamento que se pode denominar como a “Via Ecossocialista” são incontestáveis perante tantas evidências e catástrofes sócio-ambientais. Nesse sentido o próprio Löwy assinala que “é preciso substituir a microrracionalidade do lucro por uma macrorracionalidade social e ecológica, o que exige uma verdadeira mudança de civilização. Isso é impossível sem uma profunda reorientação tecnológica, que vise a substituição das atuais fontes de energia por outras, não poluentes e renováveis, tais como a energia eólica ou solar”. Pode-se agregar que também a bio-energia é uma alternativa em construção e o Brasil um dos atores principais desse processo.

Entretanto, todas essas e outras iniciativas sobre o que fazer, não poderão ser implementadas enquanto não se criem as condições para torná-las realidade. Ainda as perguntas de como fazer e com quem fazer não estão respondidas e esse é o grande desafio. A seguir se formulam algumas outras perguntas e se assinalam certas linhas de trabalho hoje em discussão:

Como mudar os valores coletivos que motivam o consumo de ostentação como uma forma de realização pessoal e ocasionam a depredação dos recursos naturais e o desperdício? Como deter a idéia do carro individual como meio de prestígio e centro da vida dos indivíduos? Como lutar contra as grandes corporações produtoras de bens de consumo se a mídia lhes pertence e promovem cotidianamente a compra de novos modelos de seus produtos e serviços? Como fazer entender e fazer assumir que o consumo dos bens supérfluos realizado principalmente pelos ricos os torna ambientalmente mais caros, destruidores e responsáveis pela contaminação e depredação que os pobres? Como construir uma consciência coletiva capaz de gerar um movimento global planetário a favor do meio ambiente como um patrimônio para a vida de todos?

Não são perguntas de fácil resposta. Entretanto e sem desconhecer a prioridade das justas reivindicações das populações pobres para melhorar as suas condições de vida e, a pesar da flexibilização das relações trabalhistas que impedem a organização dos trabalhadores, da incerteza no trabalho e no futuro, da individualização das sociedades, da produção robotizada sem controle social, etc, há propostas de interesse em discussão que podem ser assumidas como bandeiras de luta de partidos e de organizações sociais progressistas e ambientalistas:

1 – Em primeiro lugar, cabe assumir ao Estado, aos partidos políticos e às organizações sociais a iniciativa de projetos e ações para deter o consumo predatório e recusar o desperdício. As políticas públicas devem ser o mecanismo fundamental de disseminação de idéias e premissas na construção de novos valores, ressaltando o “Ser” sobre o “Ter”. Algumas eco-taxas ou eco-impostos devem ser criados, observando uma lógica social igualitária, de forma que paguem os predadores e poluidores e não toda a população.

2 – Educar a sociedade para ampliar o tempo de uso de todos os bens com o fim de diminuir o consumo de novos produtos. Haverá que assumir sem preconceitos o uso da roupa fora da moda, conviver mais tempo com os moveis e utensílios domésticos usados e cuidar mais o carro para que dure mais tempo sem contaminar o meio ambiente, etc. Tudo isso são formas de diminuir o consumo dos recursos naturais e da degradação ambiental da Terra.

3 – Fortalecer a educação ambiental formal e não formal apoiada com os recursos das eco-taxas, considerando que uma estratégia importante é educar as crianças nas suas escolas para conscientizar através delas a toda família e a sociedade na proteção do meio ambiente e contra o consumo supérfluo. Igualmente, as populações urbanas deverão educar-se para reduzir o consumo e diminuir o impacto no meio ambiente e as populações tradicionais do campo e das florestas devem ser capacitadas e fortalecidas ampliando seus conhecimentos sobre o manejo dos recursos naturais.

4 – Lutar a favor de sistemas de transporte coletivos eficientes, com preços acessíveis e não contaminadores como alternativa ao carro individual. Essa iniciativa é uma forma de diminuir o consumo de petróleo e de matérias primas, de descongestionar o espaço público e as vias e de despoluir as cidades.

5 – Evitar o deslocamento obrigatório de todos os trabalhadores quando suas atividades e trabalhos podem ser desenvolvidos nas suas residências. É uma forma de racionalizar o uso do espaço construído e de evitar congestionamentos nas estradas e nas vias das cidades, nas instituições públicas e nos estabelecimentos, além de diminuir o consumo de combustíveis e sua contaminação.

6 – Fortalecer a pesquisa aplicada na busca de novas tecnologias para elevar a potencialidade sustentável dos recursos naturais, de forma a acrescentar o valor agregado dos produtos, diminuir a dependência da exportação de matérias primas e evitar a expansão da fronteira agrícola sobre as áreas de florestas nativas.

7 – Manejar mais intensivamente as áreas com potencial agrícola e reflorestar com espécies madeireiras de alto rendimento aquelas áreas recentemente desmatadas. Assim se pode diminuir a pressão sobre as florestas primarias e preservá-las enquanto a pesquisa avança na identificação do manejo sustentável da biodiversidade e dos recursos genéticos.

8 – Dinamizar as políticas de criação e implementação de Unidades de Conservação, de proteção integral e de uso sustentável, como a única forma de garantir a permanência das áreas prioritárias para proteção em virtude da sua biodiversidade e dos recursos genéticos.

9 – Avançar decididamente na pesquisa, no fortalecimento e no uso de fontes de energia alternativas sustentáveis, como a eólica, a solar e os bio-combustíveis, de forma a diminuir o uso de energias contaminantes e os impactos sobre os recursos naturais, incluindo a construção de hidroelétricas.

Todas essas iniciativas, entre outras, constituem hoje uma premente necessidade para evitar que a catástrofe em processo aconteça ainda mais rápido. Na realidade, para atenuar a destruição das condições ambientais e contribuir para a sustentabilidade da vida na Terra essas e outras medidas são a “Única Via Possível”.

Fernando Negret – Consultor Meio Ambiente PNUD – MMA;
Ana Cláudia Negret – Bióloga;
Juan Felipe Negret – Educador Ambiental.

*Bauman, Zygmunt. EM BUSCA DA POLÍTICA. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2000.

*Löwy, Michael. ECOLOGIA E SOCIALISMO. Questões de Nossa Época. Cortez Editora. São Paulo. 2005

* O’Connor, James. NATURAL CAUSES. ESSAYS IN ECOLOGICAL MARXISM. Nova York. The Guilford Press. 1998.