A Agência Nacional de Energia Renovável: criação
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos
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Antonio René Iturra (iturra@ibict.br) é analista de C&T sênior do MCT. Foi professor da UnB, analista do CNPq, Capes e Finep, e consultor do IICA/OEA e PNUD. Trabalha com energias renováveis desde 1977. JC e-mail 2564, de 15 de Julho de 2004.
A agência fomentaria a produção e uso racional de energias renováveis: energia solar, energia eólica e pequenas centrais hidrelétricas; e de biomassa energética para produzir etanol, biodiesel e materiais lignocelulósicos (lenha e derivados)
Em Audiência Pública ocorrida em 16 de junho de 2004 na Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados, apresentamos a idéia de criação da Agência Nacional de Desenvolvimento das Energias Renováveis (Aner).
Durante o evento, essa proposta recebeu diversas manifestações de apoio dos parlamentares presentes.
Contudo, para dar maior visibilidade e realizar uma análise mais completa, está prevista nova audiência pública, no âmbito da mesma Comissão, a ser realizada no início das atividades após o recesso do Legislativo, em data ainda indefinida.
Como resultado desse esforço cidadão, entretanto, em 09 de julho foi enviada ao presidente Lula uma indicação do Legislativo para que o Executivo implemente essa proposta, ou uma outra semelhante.
A partir da segunda Audiência Pública, essa indicação poderá ser reforçada.
Estamos em tempo de aumentar a participação de outros segmentos da sociedade, especialmente a participação pró-ativa da comunidade científica e tecnológica nacional – que conhece as virtudes da fotossíntese neste país tropical – num tema que se apresenta como grande portador de futuro para nosso país.
Basicamente, o objetivo da proposta é a institucionalizar e profissionalizar, por meio da criação de uma Agência de Desenvolvimento – destinada a fomentar a produção e uso racional de energias renováveis: energia solar, energia eólica e pequenas centrais hidrelétricas, entre outras, e de biomassa energética, especialmente, para produção de etanol, biodiesel e materiais lignocelulósicos (lenha e derivados) – para abastecimento dos mercados nacionais e internacionais.
Sumariamente, diversas considerações principais foram apresentadas na Audiência, algumas genéricas e outras específicas.
Entre as primeiras, por exemplo, o fato de que o desenvolvimento de um sistema energético, por seu valor estratégico, por seu dinamismo próprio, pelo volume de recursos que utiliza, tende a influenciar o crescimento de todos os outros setores da economia e a própria organização do espaço e da vida social.
Ressaltamos o fato de que as opções tecnológicas realizadas aparentemente no interior do sistema energético têm uma relação direta com a estrutura do poder dentro de uma sociedade, e com seus objetivos de desenvolvimento, uma vez que o componente energético sustenta, molda e define as civilizações.
Cada dia é mais evidente que a humanidade busca com afinco um novo marco de racionalidade da produção e uso de energia, que contemple as externalidades que cada vez mais comprometem as fontes de energia tradicionais, fósseis, mormente dos derivados do petróleo.
Os acordos internacionais em curso, de proteção da camada de ozônio e contra o efeito estufa, exemplificam essa crescente preocupação pela qualidade de vida no planeta.
A resposta natural, num paradigma tecnológico inovador, são sem dúvida, os biocombustíveis, que podem diversificar e melhorar qualitativamente as matrizes energéticas, pelo seu efeito direto no meio ambiente e por sua promessa de ser também social e politicamente corretos, uma vez que constituem um típico exemplo de desenvolvimento sustentável.
As energias renováveis, entre as quais a energia derivada da biomassa, adquirem importância proporcional às dificuldades dos países desenvolvidos em produzi-las.
Ao contrário, nosso país apresenta as condições ideais para ser, num futuro relativamente curto, o maior produtor mundial de biocombustíveis, a partir de diversas matérias-primas, de espécies nativas e plantadas, de rotas tecnológicas e escalas de produção diferenciadas.
No Brasil temos ainda a necessidade urgente de realizar a inclusão social de um grande número de brasileiros que vivem a margem da civilidade, e o desenvolvimento regional, pela geração dos empregos e renda.
Per si, esse é um forte estímulo para a produção de biocombustíveis, que vem se somar às perspectivas de exportação, especialmente nesta época de conflitos em torno do abastecimento de petróleo e de seu alto preço nas bolsas internacionais.
Nesse objetivo, temos ainda muito a realizar. Teríamos que revitalizar, sob novos paradigmas, o Proálcool – que embora venha diminuindo o número de usinas (280, em 2002, segundo o Mapa), encontra-se estável desde 1985, com uma produção de aproximadamente 14 bilhões e capacidade instalada de 16 bilhões de litros por ano.
Contudo, o mercado atual do álcool estimula fusões e aquisições de usinas, com mais de 30 operações desde 2000, permitindo a entrada do capital estrangeiro no setor (pelo menos 3 usinas de grupos franceses, em MG e SP).
Teríamos também que formular e implementar um Programa Nacional de Biodiesel, prático, eficiente e efetivo.
As iniciativas do governo federal, entretanto, realizadas no Grupo de Trabalho Interministerial no qual participam 14 Ministérios, tudo leva a crer, chegaram a um ponto máximo, cuja derivada é indeterminada, podendo reduzir e até inviabilizar essa promessa organizada, portadora de futuro para toda a sociedade brasileira.
O governo brasileiro deveria se posicionar, o mais urgentemente possível, no reforço da sua vontade política, criando as ferramentas e instrumentos que atendam a promessa pública que está levando o mercado nacional a produzir, vender e faturar, não biodiesel, já que não é permitido pela legislação vigente, mas ‘éster etílico’.
As dificuldades de se levar adiante resoluções nacionais, entretanto, são muito grandes, do tamanho dos interesses comprometidos muito mais com o dividendo de acionistas, que com soluções para as demandas básicas do nosso povo.
Esse mundo dividido entre ‘petrolíferos’ e ‘não petrolíferos’, por exemplo, acaba inviabilizando muitos projetos importantes.
Entrementes, os países centrais continuam fazendo caminho ao andar, com iniciativas que se afiguram como ameaças competitivas para o Brasil: diversos países estão desenvolvendo planos e projetos para produção e uso racional de biocombustíveis.
Os EUA, por exemplo, têm planos para superar a produção brasileira em 2007, com 17 bilhões de litros de álcool por ano (a partir de milho); o governo alemão autorizou o uso de biodiesel, produzido especialmente a partir de colza, puro e em misturas ao óleo diesel.
Atualmente existem ao redor de 1600 postos de abastecimento nesse país; a União Européia – por meio da Diretiva 2003/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 08 de maio de 2003 – adotou uma estratégia em favor do desenvolvimento sustentável que consiste numa série de medidas, entre as quais o desenvolvimento dos biocombustíveis.
Nesse objetivo, se preparam para a substituição de 20% dos combustíveis convencionais por combustíveis alternativos no setor dos transportes rodoviários até 2020.
Recentemente, a Segunda Cúpula Mundial de Fontes de Energia Renováveis, realizada na Alemanha no início do mês de junho, aprovou a criação de uma agência internacional para estimular o desenvolvimento das energias limpas no planeta, batizada de Irena (International Renewable Energy Agency), com o argumento de que ‘não se deve deixar o mercado de energia decidir sobre a implantação de formas de energia renováveis’.
Em suma, a conveniência de estimular o desenvolvimento científico e tecnológico das energias solar, eólica e de pequenos potenciais hidráulicos, e de reformular o Proálcool, de instituir o Programa Nacional de Biodiesel, de disciplinar a produção e uso racional de materiais lignocelulósicos, as possibilidades de exportação de biocombustíveis e de venda de créditos de carbono no mercado internacional, entre outros, sinalizam a importância do Brasil institucionalizar e profissionalizar a produção e uso racional de energias renováveis e sua comercialização.
Por tudo acima mencionado e ante outros argumentos que ainda podem ser adicionados, recomendamos instituir urgentemente a Aner.
Essa institucionalidade virá a dotar o Poder Executivo de instrumento ágil, competente e capaz de executar uma política energética mais completa, eficiente e efetiva, além de se constituir num fórum permanente, que permita a participação de atores pró-ativos, públicos e privados, e a desejada sinergia e governabilidade.