A ferramenta e o operário

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 3 minutos

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Adilson Luiz Gonçalves, engenheiro, professor universitário e Articulista. E-mail: algbr@ig.com.br. Artigo veiculado na revista EngWhere – www.engwhere.com.br

A liderança é uma atividade que envolve uma imensa responsabilidade. Envolve propensão, disponibilidade e treinamento, mas essas qualidades e aprimoramentos não dispensam outras qualidades indispensáveis a um bom líder: inteligência e sabedoria.

Muitos podem acreditar ou aparentam terem nascido para liderar, mas nem todos têm ou adquirem habilidade e competência para exercer as responsabilidades decorrentes. Normalmente preferem as prerrogativas do mando e a presunção da infalibilidade. Nesses casos, o treinamento pode corrigir, mas também pode agravar problemas comportamentais. E os efeitos são tão piores quanto menor for a faixa etária dos liderados.

É… As aparências enganam!

Um colega teve um exemplo desse tipo de liderança há alguns anos, quando participava de uma comunidade religiosa:

Um dos grupos – o mais antigo, formado por adolescentes – era liderado por um casal que não tinha filhos. Sua atuação era calcada, basicamente, no emocional. Quando lhes perguntavam por que não adotavam filhos, eles respondiam, incontinentes, que todos eles eram seus filhos… Mas tinham os seus “prediletos”, aos quais delegavam todas as funções importantes do grupo e por meio destes controlavam os demais.

Até aí, nada de mal, mas todo o questionamento mais complexo – fosse sobre uma decisão tomada ou sobre questões religiosas ou filosóficas – era respondido com, estratégicas, crises de choro ou hipertensão ou, pior, com a menção de que haviam feito um curso de treinamento de liderança religiosa… Não eram respostas, mas pontos finais! Isso também não seria tão grave se o posicionamento lacônico e absoluto não fosse, em alguns casos, baseado, apenas, em conclusões pessoais, desprovidas de qualquer coerência e suporte lógico. Faltava a humildade de reconhecer sua ignorância sobre certos aspectos e encaminhar para quem pudesse explicar adequadamente, aproveitando para, também, aprender. Ou talvez tivessem medo de ver sua ascendência sobre o grupo ser enfraquecida, por uma – na idéia deles – demonstração de limitação.

Isso ocorreu, de forma patente, no dia em que um dos adolescentes do grupo mostrou ao meu colega uma “estrela de Davi” que havia encontrado na rua. Disse que ia procurar o casal para perguntar-lhe se havia algum problema em usá-la… Como ele já vinha observando as atitudes deles há algum tempo, antecipou-lhe que o Rei Davi era um personagem fundamental do Antigo Testamento, que o próprio Cristo havia nascido de uma família de sua linhagem. Não havia, portanto, nenhum problema em usar aquele símbolo. Como ele insistiu em procurá-los, meu colega exortou-o a consultar, depois, o pároco local. Graças a Deus, assim ele fez!

Poucos minutos depois o jovem retornou, assentindo com a cabeça e exibindo um sorriso. Motivo: o casal – com sua “autoridade” de praxe – havia dito – com ar grave e professoral – que ele não deveria usar a “estrela de Davi”, porque os judeus não reconheciam Cristo como o Messias! Em contrapartida, o pároco confirmou tudo o que ele havia dito e estimulou o rapaz a usá-la sem preocupações. Se essa experiência não lhe serviu para outra coisa, ao menos demonstrou a necessidade de consultar mais de uma fonte antes de concluir sobre um assunto – o que não foi pouco. Mas a grande reflexão é sobre o exercício positivo da liderança: Não basta querer ser líder e estar disponível para sê-lo! Da mesma forma, também é grande a responsabilidade de quem pretende escolher líderes, pois liderança pressupõe responsabilidade, interação, consciência, humildade e, principalmente, autocrítica! È impossível sustenta-la ou tirar-lhe proveito coletivo tendo por base: pouca racionalidade natural e muita emotividade, sincera ou não.

Assim, qualquer que seja a área de atuação: o verdadeiro líder não deve ser um peso ou um limite para os liderados – se o for não se pode esperar nada de melhor do grupo-; disponibilidade e vontade são características importantes, mas nunca determinantes na seleção de lideranças; e, principalmente, deve-se ter cuidado redobrado ao treinar os selecionados por esses critérios, pois a ferramenta certa nas mãos do operário errado pode transformar-se numa perigosa arma!