Arquitetura brasileira contemporânea: caminhos
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 25 minutos
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Por Bruno Roberto Padovano, Professor Doutor, FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Diretor Presidente do Instituto para o Desenho Avançado IDEA; Arquiteto Diretor do Escritório Padovano e Associados Arquitetura S/C Ltda. Fonte: www.brasembottawa.org
A arquitetura desenvolvida no Brasil, país de dimensões continentais e grandes diferenças regionais, nem sempre alcança a imprensa internacional, e no entanto não deixa de apresentar aspectos de interesse global.
Impulsionada pelo forte processo de desenvolvimento econômico e social alcançado pelo país ao longo de processo de instauração da democracia nos anos oitenta, após duas décadas de regime militar, a arquitetura nacional apresenta caminhos promissores que a podem recolocar numa posição de destaque no cenário global.
A arquitetura mais em evidência da década de 90 e neste início de século e milênio no Brasil viu, de um lado, o reaparecimento de linguagens projetuais fortemente comprometidas com uma retomada do racionalismo, a base conceitual do Movimento Moderno, com tendências minimalistas. Por outro lado, verificou-se uma busca de idéias e soluções mais voltadas à questão do conforto ambiental, aliado aos processos de racionalização da construção – uma forma de racionalismo que retoma experiências dos modernistas brasileiros como Lucio Costa e Rino Levi, muito preocupados com uma adequação da nova arquitetura com o contexto local.
Apesar de um processo de globalização que viu, simultaneamente, o aparecimento no mercado de arquiteturas fortemente influenciadas pelo pós-modernismo internacional e do retorno de estilos como o neo-clássico no mercado imobiliário, que atestam um certo descaso à busca de caminhos de uma arquitetura brasileira comprometida com respostas adequadas aos desafios atuais, houve um processo de reelaboração de modelos e conceitos modernistas, com estratégias que visam a corrigir incongruências do processo de transposição da arquitetura do Movimento Moderno para o território brasileiro.
Um esforço conceitual e projetual dirigido para definir uma arquitetura capaz de atender às solicitações de uma sociedade cada vez mais complexa, com soluções enriquecedoras da cultura local, e potencializadoras de relações mais democratizantes e socialmente interativas.
Uma arquitetura que lance mão de geometrias mais flexíveis e adaptáveis às complexidades dos programas e terrenos, de soluções inovadoras de conforto ambiental e utilização inteligente de materiais e tecnologias disponíveis no mercado brasileiro. Uma arquitetura que dê vazão à inegável criatividade do arquiteto e do designer brasileiro, amante de formas fortes e cores vivas, dentro da própria herança de plasticidade e expressividade que tem origem no barroco realizado no Brasil à época colonial, na sua rica cultura indígena, e na própria composição multi-étnica e cultural do seu povo.
No entanto, esse esforço não tem sido fácil.
O próprio processo de liberalização da economia brasileira, promovido pelo Plano Real, através de doses maciças de privatização de empresas estatais e maior abertura das importações de produtos do exterior, trouxe em seu bojo a expectativa do mercado de uma arquitetura mais alinhada com aquela dos grandes centros financeiros da economia global, como Nova York, Tóquio e Hong Kong, com sua sofisticação tecnológica e, ao mesmo tempo, conservadorismo conceitual e formal.
Ao mesmo tempo, verifica-se um aumento assustador da violência urbana que assola a sociedade brasileira, especialmente nos bairros mais pobres das cidades e megacidades brasileiras. Tal fenômeno é acompanhado por um intenso processo de privatização do espaço urbano e o fechamento de grandes áreas urbanas, através da proliferação dos condomínios fechados, como os Alphavilles e os Tamborés. Esses, apesar de suas inegáveis qualidades vivenciais para os seus moradores, vêm aumentando a presença física e urbanística da grande segregação econômica e social existente na sociedade brasileira.
O esvaziamento do papel do Estado na requalificação dos espaços urbanos – com as raras e louváveis exceções de Curitiba e Rio de Janeiro – graças à perda do poder de investimento dos municípios, trouxe às cidades brasileiras um cenário desconcertante de ruas com calçamento deteriorado, edificações pichadas, excesso de fiação aérea e agressão visual de todo tipo de publicidade ao ar livre, sem se falar de equipamentos urbanos deteriorados e mal projetados, grandes áreas faveladas, comércio informal, tráfego congestionado, poluição sonora e do ar, e a degradação crescente de recursos ambientais.
Nesse contexto urbano e social no mínimo problemático, os melhores exemplos de arquitetura contemporânea brasileira resultaram de investimentos feitos por empresas nacionais de menor porte, por entidades privadas de interesse coletivo como o SESC-Serviço Social do Comércio, por fundações privadas, por orgãos estatais e por pequenos investidores e clientes esclarecidos.
Poderíamos destacar, entre alguns caminhos promissores dessa arquitetura, alguns possíveis temas representatives de áreas de maior sucesso de realização nos últimos anos:
– reciclagem de edifícios de interesse histórico para fins culturais;
– obras residenciais;
– edifícios institucionais;
– equipamentos sociais relacionados à saúde;
– equipamentos sociais destinados à educação;
– equipamentos sociais destinados ao lazer;
– obras de estabelecimentos comerciais;
– obras industriais;
– terminais e obras de infraestrutura para o transporte urbano e metropolitano;
– obras e projetos urbanísticos e paisagísticos; e
– pequenas obras, grandes idéias.
Para exemplificar algumas das principais realizações nesses setores durante a última década no Brasil, mencionarei alguns projetos e obras que, a meu ver, explicitam algumas linhas de maior interesse na arquitetura contemporânea realizada no país.
Reciclagem de edifícios de interesse histórico para fins culturais
Neste campo, um número expressivo de experiências vêm sendo realizadas no Brasil nos últimos anos, numa saudável atitude de conservação do patrimônio histórico através de novos usos que viabilizem a conservação e sustentabilidade dos antigos edifícios, mesmo que isto implique transformações espaciais e modificações parciais de sua arquitetura original.
Um exemplo eloqüente dessa linha de trabalho é a obra da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Originalmente erigida em edifício neo-clássico (projeto original do Escritório Ramos de Azevedo, do início do século XX, apenas parcialmente construído) viu o arquiteto capixaba radicado em São Paulo Paulo Mendes da Rocha, com maestria, introduzir o programa da pinacoteca no “edifício/ruína”, em tijolo aparente, através de um deslocamento do eixo principal do edifício e inserção de vigas, peitoris, elevadores e outros elementos novos em aço pintado na cor marrom-café. Essa bela obra deu ao arquiteto o Prêmio Mies Van der Rohe, da Fundação homônima com sede em Barcelona, para a melhor obra na América Latina, em 2000.
Um outro trabalho igualmente merecedor de destaque é o da Sala São Paulo, uma sala para concertos para 1.500 pessoas, que aproveita um pátio interno da Estação Júlio Prestes (de autoria do arquiteto acadêmico Cristiano Stockler das Neves e também parcialmente executada) no centro de São Paulo. Tal obra de reciclagem é de autoria do arquiteto paulista Nelson Dupré, que recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior pela excelência de soluções arquitetônicas e acústicas adotadas.
Sempre dentro de espaços destinados às atividades cênicas, é louvável, ainda, a recuperação do antigo Cine Paramount, em São Paulo, para acomodar o Teatro Abril, de autoria do escritório paulista Aflalo & Gasperini Arquitetos, com uma intervenção cuidadosa, baseada no restauro das condições originais do antigo prédio, de responsabilidade dos arquitetos Haroldo Gallo e Marcos Carrilho.
Obras residenciais
A área residencial tem sido a de maior número de realizações no Brasil, apresentando algumas inovações interessantes tanto no caso de edifícios unifamiliares como de multifamiliares.
As casas unifamiliares têm oferecido várias oportunidades de criações inovadoras para os arquitetos brasileiros, já que seu custo tem sido mais acessível para um maior número de clientes, e sua relação com a riquíssima ambientação natural do país mais facilmente aproveitável.
Por exemplo, de autoria da arquiteta paulista Anne Marie Sumner, a residência de praia de sua família em Ubatuba é uma obra de grande adequação ao meio, pela sua simplicidade formal e espacial e por sua implantação com uma impactante vista panorâmica sobre o Oceano Atlântico.
O arquiteto paulista Marcos Acayaba tem elaborado projetos de residências unifamiliares em várias localidades do Brasil, tendo como estratégia projetual a utilização de tramas triangulares e o uso de madeira industrializada, que surpreendem pela riqueza volumétrica e o encaixe delicado em terrenos caracterizados por declividades acentuadas.
Já num terreno urbano na complexa trama urbana de São Paulo, para a família Kapaz, os arquitetos paulistas Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki, do escritório Brasil Arquitetura, criaram uma residência que se nutre da geometria irregular do terreno, gerando um tensionamento espacial de grande interesse plástico.
Um caminho análogo é o seguido pelo arquiteto mineiro Gustavo Penna, em residência junto à Serra da Moeda, em área do município de Brumadinho, Minas Gerais, que apresenta sutis relações espaciais dentro do léxico racionalista, decorrentes de sua leitura do terreno irregular e das magníficas vistas da paisagem da região.
Os edifícios residenciais multifamiliares têm apresentado várias tipologias interessantes, desde os mais tradicionais edifícios de apartamentos até conjuntos de casas geminadas em condomínios fechados.
Para um edifício de apartamentos em São Paulo desenvolvi, junto à arquiteta paulista Maria Beatriz Ferreira de Souza Oliveira, o edifício Ana Luíza, que se caracteriza por uma planta com geometria complexa, que acompanha a própria irregularidade do terreno e das condicionantes climáticas e panorâmicas locais.
No condomínio Chácara Sant’Anna no Alto da Boa Vista em São Paulo, o arquiteto paulista Roberto Aflalo Filho, do já citado escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos, desenvolveu um conjunto de casas geminadas com grande precisão formal e construtiva, com destaque ao uso cuidadoso do tijolo.
Numa exploração inteligente da tecnologia do aço, o arquiteto paulista Luís Fernando Rocco e seus associados desenvolveram um edifício de apartamentos duplex, o Mada Loft em São Paulo, com inteligente aproveitamento da espacialidade desta inovadora tipologia residencial.
Já para uma camada de renda mais baixa, o arquiteto mineiro João Diniz propõe um conjunto habitacional para o Residencial Gameleira em Belo Horizonte, com um interessante jogo de volumes e planos e utilização de cores para personalizar os diversos blocos de apartamentos.
Edifícios Institucionais
Algumas entidades realizaram edifícios com arquitetura de qualidade, como é o caso da sede da Ordem dos Advogados do Brasil/Mato Grosso do Sul e da Caixa de Assistência dos Advogados (através de concurso público de arquitetura). Essa última, criada pelo arquiteto paulista José Tabith, numa bem articulada composição de cheios e vazios, utiliza, de forma inteligente, o terreno e caracteriza uma solução urbana de interesse para Campo Grande, Estado do Mato Grosso do Sul.
Utilizando uma linguagem high-tech, a obra do BIT – Base de Inteligência Tecnológica – em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, dos arquitetos gaúchos Flávio Lambert e Leonardo Koboldt de Araújo apresenta um espaço privilegiado de observação sobre a capital gaúcha, com um interessante contraste de volumes e utilização da avançada tecnologia do aço.
Dentro do tema das telecomunicações, um dos setores mais privilegiados nos últimos anos, a Torre da TV Cultura em São Paulo, do arquiteto paulista Jorge Caron, também apresenta uma solução de forte impacto visual, com a utilização de uma geometria triangular e utilização integral do aço para a estrutura, em evidência nas suas fachadas.
Equipamentos socias relacionados à saúde
Uma das principais realizações no país neste campo é sem dúvida o Hospital Sarah Kubitscheck do mestre baiano João Filgueiras Lima, o Lelé, no qual o arquiteto propõe um sistema de aeração dos ambientes que permite condições ideais de assepsia e eliminação da incidência de infecções hospitalares. A obra do arquiteto utiliza sistemas de construção pré-fabricada, com soluções tecnológicas inovadoras.
Para a nova sede dos Laboratórios Fleury, em São Paulo, o arquiteto paulista Eduardo Martins de Mello, em parceria com os arquitetos Renata Semin e José Armênio Brito Cruz (do escritório Piratininga), criou um conjunto arquitetônico cuidadosamente implantado numa colina. A nova sede abriga atividades administrativas, laboratórios de análises clínicas, central técnica e centro de educação continuada. O paisagismo, integrado à arquitetura, foi desenvolvido pela arquiteta paisagista Rosa Grena Kliass, que ocupa atualmente a vice-presidência da IFLA – International Federation of Landscape Architects.
Em Orlândia, cidade agroindustrial do interior paulista, os arquitetos paulistas Angelo Bucci, Fernando de Mello Franco e Milton Braga, do MMBB Arquitetos, projetaram uma clínica odontológica que, dados suas linhas racionalistas, controle da insolação e grande rigor formal e construtivo do conjunto, foi selecionada em 2000 pela Fundação Mies Van der Rohe, de Barcelona, como uma das melhores obras na América Latina nos últimos dois anos.
Equipamentos sociais destinados à educação
Este setor tem vivido um forte processo de diminuição de investimentos por parte do setor público nas atividades educacionais de nível superior, com o aparecimento de várias obras importantes oriundas de investimentos privados.
Um exemplo da força do setor privado na educação é o novo campus da UniABC em Santo André, do arquiteto paulista Affonso Risi Jr., que desenvolve um interessante discurso urbano através da articulação dos diversos blocos das instalações universitárias ao longo das duas laterais do terreno.
Para o Centro Universitário Positivo (UnicenP) no bairro Ecoville em Curitiba, o arquiteto paranaense, Manoel Coelho, desenvolveu um conjunto de implantação racionalista, complementado por uma ambientação paisagística cuidadosa e pela qualidade construtiva e espacial das edificações.
Numa obra que reutiliza um antigo edifício (onde funcionava o Instituto Amália Franco) projetado pelo escritório Severo & Villares, sucessor de Ramos de Azevedo, o arquiteto paulista Samuel Kruchin projetou o novo Campus da Universidade Cruzeiro do Sul, que será desenvolvido em fases. Numa primeira etapa, dentro do edifício histórico, o projeto determinou uma interessante introdução de um espaço de biblioteca em uma praça interna, com interessante solução em estrutura em aço, geradora de um espaço interno muito agradável.
Há, no entanto, ainda bons exemplos de obras educacionais que foram realizadas nos últimos anos através de investimentos públicos na área educacional.
Apresentando uma linguagem ecologicamente comprometida, o edifício da Universidade Livre do Meio Ambiente do arquiteto paranaense Domingos Bongestabs, foi construído numa pedreira desativada de Curitiba, utilizando madeiras oriundas de reflorestamento.
Para a Escola Guinard de artes públicas, subordinada à Universidade Federal de Minas Gerais, o já citado Gustavo Penna realizou um edifício de linhas curvas que acompanha a geometria da rua e estabelece um interessante jogo volumétrico com o entorno urbano.
Com uma estratégia formal mais alinhada à desconstrução, o arquiteto pernambucano Mário Aloísio Melo, ativo em Maceió, Alagoas, desenvolveu um projeto para a Escola Fazendária, situada entre o mar e a rodovia Al- 101 Norte, que se articula em função da orientação, da ventilação natural oferecida pelos ventos dominantes e das vistas para o oceano, gerando um atraente conjunto de volumes e planos.
Equipamentos sociais destinados ao lazer e à cultura
Neste campo é importante destacar o excelente trabalho realizado pelo Serviço Social do Comércio (SESC) em suas inúmeras unidades em várias regiões do Brasil. Recentemente concluído, o Centro de Lazer e Cultura do SESC de Santo André, na região do ABC na Grande São Paulo, é um exemplo de arquitetura contemporânea, pela atitude contextualista que se apropria de elementos modernistas, com a presença de soluções “high-tech”, como na cobertura das quadras poliesportivas.
Outro edifício que demonstra grande domínio formal e tecnológico é o Centro Brasileiro Britânico em São Paulo, projeto dos arquitetos paulistas Alberto Botti e Marc Rubin, autores de um expressivo conjunto de obras na cidade.
Um grupo de jovens arquitetos mineiros, Gustavo Ribeiro, André Abreu e Anna Ávila, projetou um centro cultural da empresa USIMINAS em Ipatinga, Minas Gerais, nos quais a utilização de estruturas metálicas da empresa se aliou a um partido curvilíneo que acompanha o formato do terreno, com a orientação do conjunto para um espaço interno, de destacada qualidade paisagística.
Da prancheta do gênio da arquitetura brasileira, o carioca Oscar Niemeyer, já nos seus 90 anos de idade, saiu uma das obras mais impactantes dos últimos anos da década de 90 no Brasil: o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em formato de cálice, em impressionante projeção sobre a paisagem da Guanabara.
Obras de estabelecimentos comerciais e empresariais
Se edifícios de escritórios e lojas comerciais têm proliferado nas cidades brasileiras, é possível dizer que a maioria tem adotado soluções bastante convencionais, com a proliferação de revestimentos em alumínio e fachadas de vidro, sem que se tenham destacado em termos arquitetônicos.
Uma notável exceção é o pequeno edifício de escritórios de advocacia em Curitiba, Paraná (1995-1998), dos arquitetos paulistas Mario Biselli e Artur Katchborian, que com racionalidade e elegância, forjaram uma arquitetura ao mesmo tempo simples e rica em detalhes e preocupação com qualidade espacial, conforto ambiental e relação com o entorno.
Da mesma maneira, porém adotando uma linguagem assumidamente minimalista, a loja da empresa de mobiliário Forma em São Paulo, de autoria do já citado Paulo Mendes da Rocha, apresenta uma inesperada solução espacial, elevando a loja (em dois níveis distintos) em relação ao nível da rua. Para tanto, criou uma escada retrátil que oferece acesso ao nível inferior da loja no período noturno. A fachada apresenta uma vitrine longitudinal que abriga a coleção dos móveis da empresa, com produtos de design internacional contemporâneo.
Uma outra obra de grande sofisticação tecnológica e sensível implantação urbana é o edifício da Editora Ática (hoje FNAC) em São Paulo, do arquiteto paulista Paulo Júlio Valentino Bruna, que se abre através de uma bem articulada fachada de vidro, voltada para uma praça arborizada do lado oposto da rua, permitindo ainda a visualização dos seus interiores, com destaque para as escadas rolantes que interligam os diversos pavimentos.
Num interessante exemplo de arquitetura de múltiplos usos, os arquitetos paulistas Jorge Königsberger e Gianfranco Vannucchi elaboraram um projeto composto por duas torres de flats e uma de escritórios, organizado ao redor de uma praça com um lado aberto para a rua de acesso. Este tipo de solução multi-uso, com sensibilidade ao desenho urbano, começa a ganhar mais adeptos entre os grupos empresariais que atuam no mercado imobiliário.
Dentro de uma linguagem racionalista clássica, o Edifício Faria Lima Premium no centro comercial de Pinheiros em São Paulo, de autoria do arquiteto paulista Miguel Juliano, apresenta linhas suaves e elegância miesiana nos detalhes construtivos e espaços internos, destacando-se do seu entorno urbano, marcado por relativa horizontalidade.
Obras industriais
A modernização do parque brasileiro trouxe várias oportunidades para os arquitetos locais.
O austero centro gráfico do diário A Folha de São Paulo em Alphaville, Barueri, na Grande São Paulo, projeto do arquiteto paulista Paulus Magnus, é uma demonstração de uma linguagem racionalista aliada ao uso de novas tecnologias construtivas, de grande coerência formal e espacial.
Em Sorocaba, Estado de São Paulo, o arquiteto mineiro radicado em São Paulo Sidônio Porto desenvolveu um parque industrial para a Flextronics que alia o mesmo domínio formal e tecnológico a uma arquitetura expressiva dos próprios processos produtivos, incentivando um convívio mais transparente entre dirigentes e operários.
Mas a obra talvez de maior destaque no campo industrial nos últimos anos é a do Novo Espaço Natura (indústria de cosméticos) na cidade de Cajamar, na grande São Paulo, com projeto do arquiteto paulista Roberto Loeb: um conjunto de grande coerência formal, funcionalidade e força imagética, utilizando aço e concreto de forma ousada e cuidadosamente implantado no terreno.
Terminais e obras de infraestrutura para o transporte urbano e metropolitano
Devido ao grande aumento de tráfego aéreo e viário no país, muitas obras de terminais para aeroportos e sistemas de transporte metropolitano (ônibus e metrô) têm sido construídas no Brasil. Nesse setor os arquitetos brasileiros têm demonstrado domínio tecnológico e ousadias espaciais dignos de países mais desenvolvidos.
Para o terminal aeroportuário de Natal, no Rio Grande do Norte, o arquiteto paranaense radicado em Brasília, Sérgio Roberto Parada, elaborou um projeto que alia elegância e criatividade na utilização da tecnologia do aço e um forte sentido de dinâmica espacial, muito adequados para tais instalações.
Obras importantes para os sistemas de metrô têm sido elaboradas por arquitetos como o paulista Wilson Bracetti para a estação Sumaré em São Paulo, o paulista João Walter Toscano para a estação Pêssego e o paulista João B. Martinez Correa, para a estação Cardeal Arcoverde no Rio de Janeiro.
Para o sistema de trens metropolitanos de São Paulo, o arquiteto paulista Luiz Carlos Esteves criou um conjunto de sete estações ao longo do rio Pinheiros que apresentam forte presença na paisagem urbana pelo uso de estruturas metálicas para as aerodinâmicas passarelas e outros espaços do conjunto.
Obras e projetos urbanísticos e paisagísticos
Nesses últimos anos, não têm sido poucas as realizações importantes na área urbanística e ambiental. Lembre-se que o Brasil foi o palco do historicamente significativo Rio 92, o primeiro grande encontro internacional de repercussão mundial sobre a crise ambiental e a necessidade de uma união internacional para lidar com a degradação do planeta através do desenvolvimento sustentável.
O planejamento urbano tem se tornado um instrumento importante de políticas públicas, estimulado pela promulgação, em 2001, da lei do Estatuto da Cidade, pelo Governo Federal, que obriga todo município de mais de 20.000 habitantes a ter seu plano para os cinco anos seguintes.
Um exemplo disso é o recém-aprovado Plano Diretor de São Paulo, elaborado pela SEMPLA, Secretaria Municipal do Planejamento, sob a coordenação do arquiteto e urbanista paulista Jorge Wilheim, responsável anteriormente pelo bem-sucedido plano para Curitiba, de projeção internacional.
Em termos de grandes realizações paisagísticas, é de se destacar o plano e os projetos de recuperação de manguezais e restingas na Barra da Tijuca e os Parques Mello Barreto e o Parque Ecológico Municipal de Marapendi, no Rio de Janeiro, pelo arquiteto paisagista carioca Fernando Chacel – talvez o principal paisagista brasileiro após o falecimento do gênio, Roberto Burle Marx, em 1994, no Rio de Janeiro.
Numa São Paulo fortemente deteriorada em termos ambientais, a prefeitura lançou, em 1997, um concurso nacional de idéias para a reestruturação urbanística e paisagística das Marginais dos rios Pinheiros e Tietê, ao longo de cerca 45 quilômetros de vias urbanas que impactam os principais rios da região metropolitana. Nesse concurso venceu o projeto resultante do trabalho de equipe por mim coordenada, integrada pelos colegas arquitetos paulistas Jaques Suchodolski, Percival Brosig, Sueli Suchodolski, Issao Minami, José Arnaldo Degasperi da Cunha e o Engenheiro Neuton Karassawa. Nele, apresentou-se um plano de recuperação das vias e dos rios, com propostas inovadoras, como uma série de lagos para ajudar no combate às enchentes e oferecer lazer, equipamentos sociais e habitação para a população carente da periferia.
Este tema, que o Brasil, aliás, acaba de apresentar na Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza numa exposição sobre projetos de reurbanização de favelas, foi de grande interesse aos visitantes desse importante evento internacional no campo da arquitetura.
Demonstrando para o mundo que os arquitetos locais não tratam apenas de temas vinculados aos setores mais desenvolvidos da economia nacional, mas que se preocupam igualmente com os problemas que afligem grandes setores da população brasileira.
Pequenas obras, grandes idéias
Ao lado dessas realizações de maior porte há todo um trabalho de menor impacto, mas de inegável valor e que abre interessantes perspectivas: trata-se de trabalhos realizados por arquitetos brasileiros em pequenas instalações, feiras, exposições, interiores, design de produtos e da comunicação visual, nos quais o talento e a criatividade nacional tem-se exprimido de forma notável.
Nas inúmeras feiras realizadas no país, ótimos projetos têm aparecido em trabalhos como os do arquiteto paulista Fernando Brandão, exemplificado pelo seu stand desconstrutivista para a empresa de móveis de escritório, a GIROFLEX, na Feira ‘Office Solution’ em São Paulo.
Nas exposições, muita criatividade: um exemplo disso é a exposição ‘Brasil 50 mil: uma Viagem ao Passado Pré-Colonial’, realizada pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP), com projeto desenvolvido pelo escritório paulista Gesto Arquitetura, e seus arquitetos Tânia Regina Parma e Newton Yamato Massafumi.
Num monumento do cinqüentenário do município de Barueri, o já citado Mario Biselli com a arquiteta Paula Biselli Sauaiá venceram o concurso público com uma obra de forte impacto visual, que aproveitou uma caixa d’água em concreto existente no local, revestida com estrutura metálica com chapas de aço perfuradas e com efeitos luminotécnicos criados por Fernando Guarnieri.
Ainda em instalações externas, o uso das tenso-estruturas está ganhando espaço, em projetos como a cobertura para o anfiteatro Araújo Viana em Porto Alegre do mestre gaúcho Carlos Maximiliano Fayet, as coberturas do Rock in Rio, do engenheiro paulista Nelson Fiedler e a cobertura do palco ao ar livre no SESC Itaquera, em São Paulo, da arquiteta paulista Cristina de Castro Mello.
Nos interiores, muitas soluções criativas, como as unidades da Internet Livre, salas criadas pelo SESC paulista em suas unidades de Campinas e Araraquara, com instigante projeto do arquiteto paulista Francisco Spadoni, que transforma os microcomputadores em “objetos estranhos”.
Nos escritórios, muita sofisticação e criatividade, com trabalhos como os escritórios da Zipnet do arquiteto paulista Kiko Salomão ou da paulista Rita Guedes para a Nickelodeon, um canal de TV, ambos em São Paulo.
No campo do design, destaca-se a obra dos paulistas Irmãos Campana (Fernando, arquiteto, e Humberto, advogado), que tem tido grande repercussão internacional, pela criatividade demonstrada em produtos que articulam o industrial com o artesanal e trabalham com imaterialidade e transparência, como na cadeira Cone. Um tema desenvolvido também pela designer paulista Jaqueline Terpins em estantes de vidro e outros produtos que exploram esse material.
Os designers brasileiros têm gerado produtos inovadores em vários setores, premiados internacionalmente, como é o caso da cadeira de escritório Clipper, do paulista Oswaldo Mellone da MHO Design, e o Ventilador Aliseu, da carioca NCS Design Rio.
No campo gráfico, muitas realizações por arquitetos e designers: vários podem ser os exemplos, como na comunicação visual do Rio Design Barra das designers cariocas Valéria London e Ana Lúcia Leite Velho, ou na sinalização para o Novo Espaço Natura do escritório paulista OZ Design (dos arquitetos André Poppovic e Ronald Kapaz) e o projeto gráfico das revistas ‘ARC DESIGN’ e ‘A Revista’ da paulista Fernanda Sarmento, ambos premiados pela Bienal da Associação dos Designers Gráficos em São Paulo deste ano.
Conclusões
Concluindo, a partir desse sucinto conjunto de obras e projetos apresentados, que é apenas uma seleção pessoal de algumas obras realizadas e que certamente não engloba o conjunto mais expressivo da produção nacional, é possível afirmar que a arquitetura contemporânea desenvolvida no Brasil, em suas diversas regiões, apresenta soluções e realizações de elevada qualidade espacial, sensibilidade contextual, preocupação ambiental e domínio das novas tecnologias construtivas, com destaque para a utilização do aço, um material abundante no país, mas ainda pouco utilizado.
Pode-se assim dizer que, se a arquitetura brasileira não apresenta talvez a mesma genialidade das décadas de 40 e 50, quando o país se encontrou na vanguarda da arquitetura internacional através da utilização criativa da tecnologia do concreto armado, a competência dos arquitetos locais vem permitindo que o país se alinhe aos processos mais avançados no plano mundial na busca de soluções harmoniosas com o meio ambiente e voltadas à qualidade de vida, através da utilização criativa e inteligente dos recursos tecnológicos disponíveis no país, em tempos marcados pela globalização e pela rápida transferência de soluções e tecnologias nem sempre adequadas ao clima e à cultura local.
Assim, é possível que, se os fluxos de capitais estrangeiros forem mantidos e um melhor desempenho econômico do país em termos de suas exportações for alcançado, neste início de um novo século e milênio, o país faculte aos seus arquitetos um espaço novamente privilegiado para realizar seus projetos e obras, com o retorno de uma nova “era dourada”, de maior interesse global e de maior alcance social para todas as camadas sociais da população brasileira.