Calçada adequada: respeito à cidadania

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Por Philip Gold, Especialista em projetos de tráfego e transporte no Brasil, co-autor do livro “Segurança de Trânsito – Aplicações de Engenharia para Reduzir Acidentes”, publicado em português, inglês e espanhol pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).Palestrante do 1° Seminário Paranaense de Calçadas, dia 28 de outubro, em Curitiba. Em www.comunidadedaconstrucao.com.br

Caminhar é uma das atividades fundamentais do ser humano. Em princípio, é uma atividade exercida a partir do segundo ano de vida, até a morte. Com a invenção e evolução de pesados veículos sobre rodas, seja de tração por animal, humana ou a motor, surgiu a incompatibilidade do caminhar com o tráfego de veículos. Nas áreas urbanas, com espaços limitados e a incompatibilidade veículo/pedestre, surgiu a idéia da separação física dos espaços para circulação de veículos e pedestres. A solução adotada foi a criação de uma calçada, reservada para a circulação de pessoas a pé.

Hoje, é sabido que em muitas cidades brasileiras mais do que 30% dos deslocamentos diários da população são feitos exclusivamente a pé. Ainda mais, que todos os deslocamentos que utilizam transportes coletivos, seja ônibus, trem ou automóvel, também incluem trechos de caminhada para acesso entre os destinos e origens dos condutores. Desta forma, pode-se concluir que caminhar faz parte do cotidiano da grande maioria da população.

Normalmente as Prefeituras responsabilizam o proprietário de cada imóvel pela construção e manutenção do trecho de calçada em frente a seu lote. Isso acaba resultando numa variedade de tratamentos. Como muitas vezes não existe uma fiscalização sistemática, a maioria dos proprietários não mantêm suas calçadas adequadas, embora isso seja um fator de valorização do imóvel. Assim, logo percebemos calçadas abandonadas, esburacadas e cheias de obstáculos. O pedestre vai se esquivando, na procura por melhores caminhos e muitas vezes abandona a calçada para caminhar na via de tráfego.

As condições das calçadas nos municípios brasileiros variam muito entre cidades e áreas urbanas. Em geral pode-se afirmar que as condições são precárias, com deficiências nos três indicadores principais de qualidade: fluidez, conforto e segurança. Problemas como a descontinuidade das calçadas, com trechos em degraus; a presença de obstáculos, que obrigam o pedestre a mudança freqüente de direção; buracos e superfície com revestimento em más condições de conservação; e ainda, o prejuízo estético causado pela mudança do tipo de revestimento a cada novo lote. Com conseqüência, surgem nas cidades brasileiras atitudes negativas em relação aos governantes municipais e, pior do que isso, acidentes, desconforto geral no ato de caminhar e até o isolamento de parte da população, formada por idosos e deficientes, que deixam de sair de casa por medo de andar nas calçadas.

Em maio deste ano, o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, publicou uma síntese dos resultados da pesquisa “Impactos Sociais e Econômicas dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas”, realizada pelo Instituto, em conjunto com a ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos, que incluiu um levantamento de quedas e tropeços de pedestres, sem o envolvimento de veículos, ocorridos na calçada ou na via. A pesquisa realizada na Aglomeração Urbana de São Paulo revelou nove quedas por grupo de mil habitantes, a um custo médio em torno de R$ 2,5 mil por queda. Se aplicarmos esses valores à população urbana do Brasil de quase 138 milhões de habitantes, chega-se a um custo total das quedas e tropeços nas cidades de R$ 3,1 bilhões, número que por si só já justificaria grandes investimentos na melhoria das calçadas.

O projeto de calçadas e passeios é considerado de competência do poder público. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe a preocupação com o pedestre, com faixas que o separam dos veículos por uma zona particular. Nesta zona de separação são plantadas árvores e estão localizados todos os elementos como telefone, bancos, lixeiras entre outros. A área livre de obstrução destinada à circulação de pedestres é bem definida. A disposição dos elementos tais como postes, bancos, lixeiras também segue uma padronização de localização. Cuidados como esses podem e devem ser seguidos, já que a calçada é o espaço onde a cidadania começa a ser respeitada.