Caminho livre para o fogo
27 de março de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
Fonte: Agência FAPESP
Largos rios transformados em riachos, barcos imobilizados em meio à água escassa, pessoas isoladas em suas casas e um tapete de peixes mortos. Esse era o cenário em áreas da Amazônia assoladas por uma seca intensa de maio a setembro de 2005.
Dois anos mais tarde, após examinar centenas de imagens de satélite e percorrer a floresta para ver de perto os impactos da seca, uma equipe de pesquisadores brasileiros, norte-americanos e ingleses concluiu que, em 2005, o fogo consumiu uma área cinco vezes maior que a área desmatada nesse ano no Estado do Acre, o mais atingido por essa seca.
Dez anos atrás, em outra seca ainda mais intensa, as chamas consumiram uma área da floresta proporcionalmente menor, correspondente a duas vezes a área desmatada. O fogo que pôde correr livremente sobre a mata ressecada emerge agora como o principal agente de transformação da floresta.
“A floresta pode suportar um fenômeno natural como a seca”, disse Luiz Eduardo Aragão, biólogo carioca que trabalha há dois anos no Environmental Change Institute (ECI), da Universidade de Oxford. “Mas os danos do fogo somados à seca podem ser irrecuperáveis, principalmente se episódios como esse se repetirem.”
O trabalho foi feito em colaboração com outros pesquisadores do próprio ECI, do California Institute of Technology (Caltech), dos Estados Unidos, e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos.
Esses resultados fazem parte de um estudo aceito para publicação na revista Geophysical Research Letters e foram apresentados na conferência “Mudanças Climáticas e o Destino da Amazônia”, realizada de 20 a 22 de março em Oxford. “As condições que levaram à seca de 2005 podem se repetir”, comentou Peter Cox, da Universidade de Exeter, na Inglaterra.
Estima-se que a combinação de seca e de incêndio provocado que se espalhou sem controle tenha transformado em cinzas a vegetação mais próxima do solo em 6,5 mil quilômetros quadrados de floresta – uma área quatro vezes maior que a ocupada pela cidade de São Paulo – do estado do Acre, deixando a floresta mais vulnerável ao impacto de queimadas futuras.
Outros pesquisadores já haviam mostrado que a seca pode alterar a estrutura da floresta por aumentar a mortalidade das árvores e facilitar o crescimento de espécies habituadas a ambientes mais secos e mais abertos. Mais desmatamento e menos umidade circulando podem prejudicar o transporte de umidade e trazer menos chuva até mesmo nas regiões Sudeste e Sul, que recebem os ventos normalmente úmidos da região equatorial.
Identificando áreas vulneráveis – A seca de 2005 foi dramática por si só e por ter se somado à baixa umidade resultante da temporada de chuvas em que houve menos precipitação que o habitual. Em conseqüência, quase metade da bacia Amazônica, com área equivalente a 3,3 milhões de quilômetros quadrados, atravessou quase seis meses de escassez de água. Enquanto o oeste e o sul da região amazônica viviam os efeitos da estiagem, a Amazônia central e a do leste se mantiveram sob os níveis habituais de água disponível para a manutenção da floresta.
Luiz Eduardo Aragão verificou que a seca do final de 1997 e do início de 1998 foi mais intensa e mais abrangente, deixando 67% da bacia Amazônia – equivalente a 4,3 milhões de quilômetros quadrados de florestas – sob o efeito da escassez de água. Seu impacto foi mais acentuado a partir do início da estação seca no norte da Amazônia, intensificando as queimadas especialmente no estado de Roraima, e prolongou-se pela estação chuvosa.
A estiagem de 2005 foi mais curta e limitou-se à própria estação seca, ainda que com impactos tão intensos quanto a outra, de acordo com o estudo. Apresentou uma peculiaridade: não se originou do aquecimento das águas superficiais do oceano Pacífico, como as outras, mas da elevação da temperatura superficial do Atlântico tropical norte e a conseqüente redução da intensidade dos ventos alísios vindos do norte, que normalmente trazem umidade para a Amazônia.
O trabalho ajuda a delinear as áreas mais vulneráveis à seca e aos incêndios que dela resultam. Os estados de Madre de Dios (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolívia), no sudoeste da Amazônia, mostraram-se como os mais sensíveis à seca de 2005, ao passo que as localidades a norte e nordeste (Roraima e Pará) foram as que mais sentiram os efeitos da seca de dez anos atrás. A contribuição humana para a transformação da floresta também ficou clara, já que Aragão e os outros pesquisadores desse trabalho não encontraram focos de incêndio nas áreas vizinhas – e menos povoadas – da Amazônia peruana.
O estudo foi divulgado na conferência Mudança climática e o destino da Amazônia, realizado em Oxford, Inglaterra, entre os dias 20 e 22 de março.
As apresentações da conferência estão disponíveis, em inglês, no site do Environmental Change Institute, da Universidade de Oxford.