Capitalizar virtudes e defeitos

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos

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Ênio Padilha, engenheiro eletricista, especializado em Marketing para Engenharia e Arquitetura. Home-page: www.eniopadilha.com.br

Uma vez, em 1989, por conta de um negócio com um amigo, acabei ficando com um terreno no loteamento residencial Schneider, em Rio do Sul. Era um loteamento distante do centro e o terreno ficava na parte mais alta, no final da rua, longe de tudo. Para chegar lá, só de carro, pois havia uma subida longa e difícil de vencer à pé ou de bicicleta. O terreno em si não era plano e sim inclinado, com a parte mais baixa na frente, junto à rua.

Pra falar a verdade, eu tinha consciência de que não havia feito um bom negócio, pois sabia que seria muito difícil vender aquele terreno.
Sim, vender, é claro! Nem me passava pela cabeça fazer qualquer coisa com ele a não ser vendê-lo.

Coloquei uma placa no terreno e um anúncio no jornal.

Na primeira noite ligou um potencial cliente. Um comerciante lá de Ibirama.

“É sobre o anúncio no jornal. Eu queria saber como é que é o terreno…”

“Bem…” eu comecei, meio sem jeito, “o terreno fica no loteamento Schneider, lá no final da Ruy Barbosa. Sabe onde fica?” (ele sabia).

“Muito bem”, eu continuei, “Fica lá em cima, na parte mais alta. É na última quadra, o que, aliás, é muito bom, pois não tem trânsito. Os únicos carros que chegam lá são os dos vizinhos. Para as crianças… o senhor tem crianças?” (ele tinha) “Para as crianças é um paraíso, pois podem brincar na rua com a maior tranquilidade.”

“O terreno é inclinado o que permite uma contrução em vários níveis. Um bom arquiteto faz maravilhas em um terreno inclinado” (à essas alturas eu já estava empolgado na minha função de vendedor)

“Os terrenos são todos grandes e a vizinhança é muito boa. E, como ele fica no fim do loteamento, é o último lugar que um ladrão escolheria para se aventurar pois é o ponto mais distante da saída.”

“Sem contar que, por ser o ponto mais alto é também o lugar de onde se tem a melhor vista de toda a região”

E assim, fui desfiando as características do terreno e capitalizando todos os seus defeitos em vantagens que geravam benefícios ao potencial cliente. E o mais interessante é que eu não estava mentindo, nem exagerando em nada. Estava apenas (e pela primeira vez) descrevendo as coisas positivas que o terreno tinha.

O cliente então prometeu visitar o terreno, no dia seguinte e então continuaríamos a negociação.

Desliguei o telefone, olhei para a minha esposa, que estava na sala, acompanhando a conversa. Ela deu aquele sorriso de quem já havia entendido tudo. E eu disse: “amanhã precisamos dar uma olhada direito nesse terreno, antes de vender…”

Nem preciso dizer que não quisemos mais vender o terreno. Foi como se eu tivesse comprado o terreno de mim mesmo. Foi uma descoberta. O terreno era lindo, cheio de recursos. O lugar era perfeito para construir uma casa bonita, criar filhos com liberdade, receber amigos, curtir a natureza…

Ficamos com o terreno por muito tempo e chegamos até a fazer o projeto (muito bonito) para uma casa… Mas acabamos mudando de cidade e o terreno foi vendido para um amigo felizardo que construiu uma bela casa e mora lá até hoje.

Contei essa história porque no sábado fui a Florianópolis participar (representando o Clube de Engenharia de Santa Catarina) da formatura do curso de Engenharia Elétrica da UFSC.

Formaturas sempre me emocionam pois é um dia de coroação. A consolidação de uma vitória. E todos (formandos, pais, mães, irmãos, professores, amigos, todos…) estão em estado de graça.
Conversa vai, conversa vem, um jovem engenheiro falou, com uma certa preocupação: “Espero que essa alegria se mantenha depois de segunda-feira. Agora é que vai ser dureza. Enfrentar o mercado, sem experiência, com essa cara de garoto…”

Lembrei imediatamente do meu terreno em Rio do Sul e fiz um pequeno discurso particular para aquele jovem amigo (e para os outros que estavam na roda): “Meu rapaz, eu disse. Não tenha medo da segunda-feira. Nem desta que vem depois de amanhã nem de nenhuma outra segunda-feira daqui pra frente.

Mas, especificamente, agora, que você é recém-formado, não tenha medo de se apresentar ao mercado. Use todas as suas potenciais fraquezas como vantagens para os potenciais clientes.

Diga para o seu cliente que a sua eventual falta de experiência é, na verdade, uma garantia de dedicação intensa e atenção redobrada.
Que a sua eventual insegurança é o que incrementa a sua responsabilidade, pois você, cuja reputação profissional é ainda incipiente e frágil, vai fazer TUDO para que os resultados sejam perfeitos, justamente para alcançar o mais rápido possível um bom nome no mercado;

Que o fato de não ter um bom número de clientes já atendidos é também um fato positivo, pois isso deixa você com muito mais tempo livre. Praticamente um “personal engineer” dedicado 24 horas por dia à causa do cliente;

Que a sua pouca idade é, na verdade, um dos seus mais importantes atributos positivos, pois você tem o viço, a saúde, a energia, o bom humor, a criatividade e a mente aberta, ingredientes para os melhores resultados, especialmente na engenharia.

Enfim, concluí. Não há nada em um engenheiro recém-formado que não possa ser capitalizado como coisa positiva e que não possa ser utilizado como vantagem competitiva no mercado de trabalho.

Experiência não é tudo. Engenharia se faz com muita coisa e muito dessa “muita coisa” você já tem.

Ou, como eu disse na conclusão de um outro artigo que eu escrevi em maio do ano passado: “Não se menospreze e ninguém irá menosprezá-lo”.

Uma perguntinha básica: Qual é o “defeito” que você tem e que pode ser capitalizado como vantagem competitiva no mercado profissional?