CARNAVAL, FUTEBOL ENGENHARIA E ARQUITETURA
15 de fevereiro de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
Vou correr o risco de me aborrecer com os paulistas, mas…
O carnaval está chegando e uma aposta é certa: o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro vai dar de dez a zero no desfile de São Paulo.
Simplesmente porque não dá pra comparar o desfile de São Paulo com o desfile do Rio de Janeiro. No Rio há outro clima, outras cores, outra alma.
Sinceramente, penso que investir em desfile de escolas de samba foi um grande erro estratégico de São Paulo. Deveriam ter seguido o exemplo de Salvador e de Recife, que inventaram outro tipo de carnaval. Talvez São Paulo pudesse ter se dado muito melhor desenvolvendo grandes bailes em clubes, ginásios, estádios… sei lá… outra coisa. Tudo menos desfiles de escolas de samba, pois nisso já estava escrito que seria quase impossível destronar o Rio e suas escolas centenárias.
Além do mais, e aí vem o mais grave, São Paulo resolveu fazer desfiles de escolas de samba com a lógica do futebol. Pior: com a lógica das torcidas organizadas dos times de futebol. Aí foi o pior de tudo! Virou um carnaval de fanatismo, de ódio, de quizumbas e paixões que não tem nada a ver com a alma do carnaval. No fim as manchetes são sempre as mesmas: violência, brigas de rua, quebra-quebra… Não que no Rio essas coisas não existam. Ocorre que lá essas coisas não conseguem se converter em estrelas do Carnaval porque as belezas dos desfiles roubam a cena. Da mesma forma que as brigas e lambanças das torcidas não roubam a cena do futebol de São Paulo que é sem discussão o melhor, mais organizado e mais lucrativo do país.
O Rio de Janeiro toca o seu futebol com a lógica das escolas de samba e do jogo do bicho. No Rio o jogo do bicho tem a ver com as relações de poder, muito mais do que com dinheiro. Já em São Paulo o jogo do bicho virou (como tudo em São Paulo) um grande negócio que tem a ver com dinheiro, acima de tudo. Por isso é que, em São Paulo o jogo do bicho não tem charme nem elegância. É só dinheiro.
Já com o futebol é diferente. Desde que ele se transformou em um negócio que envolve muito dinheiro (por estratégia da FIFA, a partir de meados da década de 1970) ele se tornou paulista por excelência. Encontrou em São Paulo seu terreno mais fértil e nos paulistanos a sua alma. Por isso o futebol de São Paulo seguirá ainda por muitos anos dando show no futebol do Rio. E quem quiser ter sucesso no futebol terá de ir buscar os melhores exemplos nos clubes e na federação de São Paulo.
Toda essa conversa para dizer (na verdade, perguntar) o seguinte: se no samba e no jogo do bicho a lógica dominante é a dos cariocas e no futebol a lógica que predomina é a dos paulistas, qual é a lógica que domina o universo em que os profissionais de Engenharia e Arquitetura atuam no Brasil? É a lógica dos engenheiros e arquitetos? Ou nós estamos jogando no campo dos outros?
A quem interessa a maneira como são conduzidas as obras de construção civil? Como seria a construção civil se a lógica dominante fosse a logica dos arquitetos e dos engenheiros.
A construção civil não é uma indústria “de engenheiros e arquitetos”. Ao contrário do que pode parecer a um leigo, engenheiros e arquitetos têm muito pouco poder de decisão nessa indústria. De uma maneira geral, se dependesse apenas dos engenheiros e arquitetos, as obras de construção civil privilegiariam sustentabilidade, segurança, qualidade, tempo e custos, nesta ordem.
Na prática das construções sabemos que a ordem não é bem esta. Então, podemos concluir, o comando tem outras prioridades. E nós, engenheiros e arquitetos, temos colocado nossos esforços, conhecimentos e habilidades à serviço dessas outras prioridades.
Depois, quando ocorrem desastres como o que ocorreu em São Paulo na linha 4 do Metrô, ou quando edifícios são implodidos em Brasília ou desabam em Recife… quem paga o pato são os engenheiros…
Acho que está na hora de engenheiros e arquitetos entenderem melhor a quem interessam as decisões tomadas nas obras e quem vai pagar a conta pelas eventuais consequências. Nem os sambistas de São Paulo nem os jogadores de futebol do Rio são culpados por não terem a liderança nas suas atividades, mas poderiam agir sobre quem toma as decisões erradas que mantém a situação torta.
Ênio Padilha
www.eniopadilha.com.br