Chega de histórias mal contadas

30 de outubro de 2012, às 11h48 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos

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Imagine a seguinte situação: a cada dia, o cidadão sai de casa para trabalhar. Mesmo morando há décadas na mesma residência, ele não sabe como irá chegar ao escritório, pois diariamente, as rotas mudam: são quatro alterações por dia! Antes o que era uma rotina, passa a ser um trabalho de Hércules.

 

É exatamente isso que está acontecendo em Mato Grosso. Desde o início deste ano, o Governo do Estado baixou 870 atos que modificam as regras do jogo tributário. São decretos e portarias que alteram valores, formas de cobrança e de cálculo dos impostos que os produtores de alimentos, principalmente, recolhem para os cofres estaduais.

 

Diariamente, saímos para o campo para produzir alimentos sem sabermos ao certo quanto precisaremos recolher ao Estado, ou como. Estamos pisando sobre ovos e, por mais que nos cerquemos de mecanismos de gestão das nossas propriedades, não temos de fato controle sobre o nosso trabalho.

 

Não bastasse isso, as regras e suas alterações na esfera estadual não fazem o menor sentido com o cenário nacional. De um lado, o Governo Federal (que tem o Governo Estadual em sua base de aliança) busca a todo custo incentivar a economia e a produção de riquezas para descolar o Brasil dos impactos da crise econômica mundial. Toma-se como exemplo a medida de reduzir a taxa de juros para financiamento de máquinas e implementos agrícolas. Do outro lado, de forma surreal, a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), baixa uma nova regra e aumenta a alíquota do ICMS dos mesmos produtos. Com isto, além de desrespeitar uma regra federal de incentivo, deixa o ambiente de negócios pouco atrativo, reduzindo ainda mais o interesse de fábricas se instalarem por aqui.

 

Também nos deparamos com o desmonte de vários órgãos fundamentais para a atividade agropecuária, como é o caso do Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) – órgão estadual responsável por fiscalizar e garantir os níveis de qualidade dos nossos alimentos e produtos agropecuários. Faltam até cadeiras e insumos básicos, como telefone e combustível, para que os servidores realizem seu trabalho.

 

Sem mencionar os vários investimentos e propriedades parados, a um passo da ilegalidade, porque a estrutura da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) não tem condições mínimas de acompanhar e responder à dinâmica da economia mato-grossense, padecendo do mesmo mal do Indea: o sucateamento da estrutura.

 

Contudo, continuamos repassando somas consideráveis das riquezas produzidas no campo para o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), criado para que fossem realizados investimentos nas estradas e em habitação. Não temos a menor noção do que é feito com esse recurso, recolhido de forma direta pelo produtor ou de maneira induzida, visto que a economia do estado é fomentada pelo setor indiretamente.

 

Por mais que tentemos nos aproximar, mantendo o diálogo com o poder executivo, o que temos feito desde o início do ano quando nos deparamos com esta voracidade arrecadatória do governo, está difícil entender o que se passa no Palácio Paiaguás.

 

O que torna essa situação quase que um conto da Carochinha ou uma história muito mal contada é o fato de que o setor agropecuário é a principal alavanca da economia estadual. Somos fomentadores de inúmeros negócios e setor que mais emprega em Mato Grosso, respondendo por 26,9% das contratações realizadas em 2012.

 

Se nós, que temos grande impacto financeiro sobre os cofres governamentais estamos vivendo um ambiente de completa insegurança, podemos nos questionar o que pode estar acontecendo com outras esferas do Governo.

 

No papel de representante desse setor, preciso deixar claro: somos legalistas e defendemos o uso de impostos para a execução de políticas públicas de efeito. Queremos ver a nossa contribuição, que sai dos nossos campos, fazendo a diferença para a população, na forma de saúde de qualidade, educação de alto nível, casas, segurança, rodovias e alimentos mais baratos. É por isso que vamos buscar uma nova postura por parte do Governo do Estado: que as regras sejam claras, que o que vem sendo discutido e combinado desde o início do ano seja cumprido, que possamos saber o que vem sendo feito com os tributos que recolhemos. Nem que, para isso, seja preciso sairmos da esfera das discussões e da busca por diálogo para as vias judiciais.

 

Não podemos deixar que a história deste nosso Mato Grosso – a nossa história, afinal – seja mal contada.

 

Carlos Fávaro é produtor de alimentos em Lucas do Rio Verde e preside a Aprosoja Mato Grosso.