ENTREVISTA – “Eu peço que deixem em paz nosso Centro Geodésico!”
14 de outubro de 2009, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 7 minutos
Mesmo com várias evidências científicas e históricas, o título conferido, há anos, a Cuiabá pela Comissão Rondon é disputado por Chapada dos Guimarães
A quase um século ele faz parte do dia a dia dos cuiabanos. Demarcado, em outubro de 1909, pela Comissão Rondon para servir de apoio às linhas telegráficas que avançavam pelo país, o marco localizado no então Campo D’Ourique, hoje Praça Moreira Cabral, transformou-se em um símbolo da capital mato-grossense. Entretanto, há quem afirme que o Centro Geodésico da América do Sul não está em Cuiabá. Contrário a qualquer estudo que desminta o fato observado pelo Marechal Cândido Rondon e confirmado pelo serviço geográfico do Exército Brasileiro, está o geógrafo, historiador e cuiabano de “chapa e cruz” apaixonado por sua terra: Aníbal Alencastro. Desde 1989, professor Aníbal (como é conhecido) realiza um trabalho solitário de conscientização. Munido de documentos oficiais que comprovam a condição de Cuiabá como centro geodésico da América do Sul, ele realiza palestra em diversos lugares e a diferentes públicos. E foi para falar sobre o que considera ser “um patrimônio histórico” para todos os cuiabanos e acabar com o mal entendido, Aníbal Alencastro, aos 66 anos idade, nos recebeu no Museu Histórico de Mato Grosso, local em que, atualmente, é o diretor.
REVISTA CREA-MT – Professor Aníbal, baseado em qual estudo o senhor afirma que Cuiabá é o Centro Geodésico da América do Sul?
ANÍBAL ALENCASTRO – Historicamente esse ponto foi determinado, no século XVIII, por um dos primeiros historiadores que chegou a Mato Grosso, Joseph Barbosa de Sá. Depois disso, na passagem do século XIX para o XX, exatamente em 1909, com a chegada da Comissão Rondon que vinha trazendo as linhas telegráficas era preciso a demarcação de pontos de apoio. Rondon chega a Cuiabá e monta a estação telegráfica, iniciando seus trabalhos, isso por volta de 1908. Como naquela época, não havia uma carta cartográfica confiável, ele precisava ter um ponto geodésico para referência, começou as medições e as marcações. A técnica escolhida por Rondon era a geodésia que é mais profunda que a topografia convencional (demarcação baseada em Norte verdadeiro e Norte magnético) porque é baseada em astros, determinando, assim, a latitude e a longitude. . Então, Rondon precisava ter um ponto por aqui para que ele amarrasse os outros pontos, dando continuidade ao seu trabalho. E como ele já havia ouvido a história de que Cuiabá estava no centro geodésico da América do Sul, pediu a sua equipe que determinasse esse ponto. Com um sextante que é um equipamento arcaico em que se observa o ângulo do Sol e se determina a posição em que está a latitude, o marco é definido. Cuiabá está na latitude 15º35’56″ao sul da Linha do Equador e na longitude 56º06’05” a oeste do Meridiano de Greenwich, localização definida pela diretoria do serviço cartográfico do Exército que, muito tempo depois, veio mapeando todas essas áreas e confirmando a condição de Cuiabá. De lá para cá, historicamente, esse ponto é respeitado, é incorporado a nossa literatura, inclusive, esse ponto está representado na nossa bandeira. A bandeira de Cuiabá ostenta ao centro a Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá e o obelisco que identifica o centro geodésico. Então, queiram ou não, ele é um marco que pertence a Cuiabá. Outro fator que me leva a sustentar essa teoria é a instalação de uma estação de rastreamento de satélite pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em Cuiabá no ano de 1968. O Inpe precisa achar um lugar no centro da América do Sul para a instalação dessa estação. Por conta das perturbações existentes na região central de Cuiabá, a antena foi transferida para o morro da Conceição. A colocação dessa antena no centro prova que Cuiabá é, realmente, o centro geodésico da América da Sul. Então, tudo isso… a bandeira, o Inpe, os registros do historiador e o trabalho da Comissão Rondon…..vem provar que o marco é um patrimônio nosso, pertence a Cuiabá! Historicamente, cientificamente e popularmente ele é determinado. Então, não pode mais haver dúvidas.
RC – Mas há quem diga que o verdadeiro centro geodésico da América do Sul está localizado em Chapada dos Guimarães.
ANÍBAL – Em 1984, a prefeitura de Chapada dos Guimarães trouxe o arquiteto Lúcio Costa para fazer o plano diretor para o turismo. Bom, existe um trabalho que é chamado de triangulação geodésica de apoio à topografia convencional feito, em 1938, pelo engenheiro geodesista Alírio Hugney de Mattos que era do IBGE. Ele fez uma rede de triangulação em todo o Brasil, inclusive aqui em Cuiabá.
RC – E para que serve essa triangulação?
ANÍBAL – Todo trabalho que se faz com a topografia convencional, quando excede 10 quilômetros de extensão, entra em erro com a curvatura da Terra. Então, se trabalha com a topografia convencional só até 10 quilômetros porque se considera a superfície plana, mas quando ultrapassa essa distância, incorre em erro. A triangulação geodésica dá apoio a esses trabalhos como, por exemplo, na construção de estradas. A gente vai amarrando esses pontos. Assim, essa triangulação existe em todo o Brasil. Aqui, há esse apoio geodésico feito pelo IBGE em Santo Antônio de Leverger e no campus da UFMT em Cuiabá. Se a presença dessas marcações dá a condição de Centro Geodésico da América do Sul, então temos um centro na UFMT, outro na saída para Leverger…Eu peço que deixem em paz o nosso Centro Geodésico! O marco que faz parte da nossa história!
RC – Então, o que há em Chapada dos Guimarães é mais um desses pontos de apoio colocados pelo IBGE?
ANÍBAL – Lá em Chapada, nas escarpas do Mirante, o que há é um desses pontos que servem de apoio, por exemplo, à construção de estradas. E eu acho que quando esse arquiteto Lúcio Costa fez o plano diretor de turismo disseram para ele “Olha, existe um marco geodésico aqui…” e ele deu a entender que a cidade deveria aproveitar o lugar e esse suposto marco para aumentar o número de turistas. Depois que eu fiz um artigo rebatendo isso, arrancaram a plaquinha e só deixaram o toquinho que existe lá no Mirante que determina o ponto de apoio do IBGE. Mas ainda há um monte de placas pela estrada indicando que Chapada dos Guimarães é o Centro Geodésico da América do Sul. Isso é um absurdo! O pior é que a imprensa ajuda. As pessoas acham bonito, elas pensam que a palavra geodésia está relacionada com o esoterismo. Não é nada disso! Geodésico é uma técnica, engenharia….não tem nada de místico. O que está acontecendo aqui é que o turista não sabe onde está, realmente, o centro da América do Sul. Agora com a Copa do Mundo, o que essas pessoas vão pensar?
RC – Quando o senhor começou a lutar por essa causa?
ANÍBAL – Comecei em 1989.
RC – E sempre só?
ANÍBAL – Só, sempre só! As pessoas têm medo de discutir esse assunto. Uma vez apareceu um sujeito dizendo que não era nem lá (Chapada dos Guimarães), nem cá (Praça Moreira Cabral). Era lá no Coxipó do Ouro, segundo uma pesquisa astrológica que ele tinha feito (risos).
RC – E as autoridades, como reagem a esse impasse entre Cuiabá e Chapada dos Guimarães?
ANÍBAL – Fui a Câmara de Vereadores de Cuiabá quando ainda era presidida pelo Lutero Ponce. Na época, fiz uma palestra sobre o assunto. Todo mundo apoiou, bateu palmas. Lembrei aos presentes que o marco estava bem próximo a eles, em frente à Câmara. Ratifiquei que o marco é nosso. Infelizmente, nada de concreto foi feito. Em junho, recebi um apoio muito importante do Crea-MT. Fiz uma palestra aos profissionais e recebi muitas ofertas de ajuda para divulgar minha luta.
RC – Em outubro, o marco colocado na Praça Moreira Cabral completa 100 anos. Seria esse um bom momento para buscar mais apoios?
ANÍBAL – Isso mesmo. E eu acredito que temos uma nova oportunidade. Agora é o momento para segurarmos esse marco. Este ano, a demarcação da Comissão Rondon completa 100 anos, é uma oportunidade para conscientizarmos a população e unir esforços para fazermos algo de concreto. Sempre em meus artigos, peço providências para as secretarias estaduais de turismo e cultura para que tais fatos absurdos não ocorram mais em respeito ao turista, ao visitante, ao estudante, ao povo em geral. Não podemos deixar que fatos sem fundamento destruam nossa história.
*Paula Peres/ Especial para o Crea-MT
Fotos: Arquivo do Professor Aníbal Alencastro