Entrevista: O exemplo indiano
12 de fevereiro de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos
“O uso de defensivos genéricos representará um grande avanço para a agricultura do Brasil, a exemplo do que aconteceu na Índia, onde, devido à quebra de patentes, os produtores se tornaram mais competitivos e com maior controle de gastos.” A afirmação é do indiano Shunmunam Ganesan, engenheiro agrônomo e especialista em direito ambiental, em entrevista à Agência CNA.
Ganesan proferiu palestra na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) há alguns dias e o tema escolhido foi a “Importância dos Agroquímicos Genéricos para Países em Desenvolvimento, com Menção Especial ao Brasil”. Durante a exposição, o especialista, que também é membro do Conselho de Meio Ambiente da Organização das Nações Humanas (ONU), apresentou o modelo indiano do uso de defensivos genéricos. Ele ressaltou que, com a utilização de genéricos, o Brasil aumentará sua capacidade de produção e rentabilidade. “Na Índia, os agroquímicos custam hoje entre 50% a 80% mais barato para o produtor. Isso significa maior concorrência interna e mais força no mercado de exportação”, explicou.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
O que a agricultura representa para a economia da Índia?
Nos últimos 30 anos, a agricultura indiana passou por uma grande mudança. Nas décadas de 60 e 70, nossa produção era insuficiente até para o mercado interno e nós éramos importadores de alimentos. Hoje somos grandes exportadores e produzimos 224 milhões de toneladas de grãos por ano. Somos o segundo maior produtor de frutas e hortaliças e ocupamos o primeiro lugar na produção de leite e derivados do mundo. A Índia tem 148 milhões de hectares de área plantada de grãos – quase três vezes maior que a área plantada do Brasil. Estamos crescendo como exportadores, mas nossa agricultura é composta basicamente de pequenos agricultores, que trabalham, em sua maioria, de forma rudimentar. Poucos, por exemplo, usam trator; a maior parte usa o arado manual. Nós temos o menor custo de produção da agricultura mundial.
O que mantém os preços de custo de produção mais baixos?
O principal fator determinante de baixos preços no campo agrícola é o preço de insumos e, na Índia, a concorrência define o baixo preço. Quanto mais fabricantes, maior a competição entre empresas e melhor é o poder de compra do produtor. O uso de defensivos genéricos na Índia é fundamental. Nós temos mais de 400 companhias que vendem defensivos lá. Com agroquímicos, fertilizantes e sementes com preços mais baixos, o custo de produção é significativamente menor.
O fato de utilizar os defensivos genéricos impacta tanto assim?
É o principal fator. Nós utilizamos engenharia reversa na produção e a mão-de-obra também é mais barata, mas os defensivos genéricos são os grandes responsáveis pelos preços baixos. Um agroquímico genérico não tem a proteção de patentes e pode ser produzido por muitos países. A Índia é um dos líderes do mercado desses produtos, que nada mais são do que a versão bioequivalente de um agroquímico já registrado e já conhecido, tão seguro e efetivo quanto o primeiro composto produzido, e com custo entre 50 a 80% mais barato que os tradicionais. Na Índia, cerca de 85% de todos os defensivos utilizados são genéricos.
O que barateia a fabricação dos genéricos?
O primeiro fator que baixa o custo de produção dos genéricos é o fato de eles não serem exatamente iguais ao composto inicial. Em geral, os genéricos são produzidos em países que têm menores custos de produção, como a Índia e a China, onde o registro é mais barato e não é necessário que se produzam novos dados indefinidamente. Também há menos custos de marketing envolvidos, porque no momento em que um genérico chega ao mercado, o componente já é conhecido pela maioria dos agricultores. Por causa da grande concorrência, as empresas que produzem esses componentes operam com uma margem de lucro menor.
Parece, então, ocorrer uma mudança nas regras do mercado, e as empresas é que têm de atrair os produtores agrícolas. É isso mesmo?
Na Índia o paradigma é diferente. Lá o mercado é dos compradores, e não dos vendedores. As multinacionais não controlam o mercado. Por causa da quebra de patentes, quem faz o preço é o comprador, e não a empresa que vende o defensivo. A margem de lucro é menor para as companhias químicas, o que é melhor para os agricultores, que são os clientes dessas empresas. Um exemplo de como o preço caiu para os produtores é o imidacloprida, um dos mais recentes defensivos que custava, quando foi lançado em 2001, U$ 80 o litro. O preço do genérico hoje fica em torno de U$ 15/litro. Veja que mudança!
Como as empresas tradicionais detentoras das patentes reagem a isso?
Primeiramente, as grandes empresas, baseadas em pesquisas, tentam manter os agroquímicos genéricos tradicionais fora do mercado. Como diminui a parcela dos patenteados, ocorre uma pressão do setor regulamentado sobre os genéricos. E quando não se expande o mercado global, muitas vezes as empresas tradicionais então retiram o lucro que elas têm com produtos de mesma composição dos defensivos genéricos e introduzem novos defensivos, que custam mais caro, para manter uma margem de lucro maior. Aparecem, então, pesquisas financiadas para comprovar a eficácia dos “novos produtos”. É importante que os agricultores dos países em desenvolvimento conheçam este procedimento das grandes empresas produtoras de agroquímicos e decidam o que é melhor para eles. Este é um dos meus papéis como conselheiro técnico da Cifa (Confederation of Indian Farmers Associations): conscientizar os produtores e incentivá-los a trilhar o melhor caminho para eles mesmos, porque existe uma grande diferença entre o que está disponível e o que é necessário. Nossa prioridade deve ser o que é necessário.
Como você vê o Brasil no cenário agrícola mundial?
O Brasil é uma superpotência no campo das exportações, que detém uma fatia considerável do mercado, mas o país deve esperar uma forte concorrência dos países que têm baixos custos de produção, como a Índia e a China. Para que o Brasil continue competitivo é fundamental que se busquem preços mais baixos de produção e maior controle dos gastos. Além disso, a moeda de vocês anda bem valorizada com relação ao dólar, por isso os agricultores brasileiros precisam se esforçar para manter os custos baixos. Dentro desse contexto, os defensivos genéricos são fundamentais e se tornam uma necessidade urgente. Imaginem se o produtor brasileiro conseguisse economizar U$ 10 por hectare. Numa projeção total, vocês poderiam economizar cerca de U$ 500 milhões.
Foi publicado um decreto que altera a legislação agrícola brasileira e simplifica o registro da fabricação de defensivos genéricos…
Eu tomei conhecimento aqui na CNA do teor deste decreto e quero parabenizar o Brasil pelo texto. Na Índia, nós temos uma resolução similar a esta, mas que não é tão clara quanto a que foi aprovada aqui. Eu acredito que a qualidade do decreto provém do fato desta confederação (CNA) estar ativamente presente no processo, junto aos órgãos executivo e legislador. Minha intenção inclusive é levar o modelo deste decreto para mostrar como fazer nesta área. Isso vai dar uma grande ajuda aos países em desenvolvimento.
Em relação ao meio ambiente, como a agricultura deve ser pensada?
Essa questão do meio ambiente é muito importante, porque é recorrente na agricultura. Aqui mesmo, no Brasil, tivemos uma importante sinalização sobre isso, em 1992, com o documento da Eco-92. A Declaração do Rio de Janeiro em 1992 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada por mais de 130 países, preconiza um importante aspecto para países em desenvolvimento. O princípio 11 da declaração destaca que os padrões ambientais e as prioridades dos países em desenvolvimento não devem ser iguais aos aplicados nos países desenvolvidos. Os padrões devem refletir o contexto de meio ambiente e desenvolvimento dos países aos quais se aplicam. O que eu quero dizer é que os padrões aplicados aos países desenvolvidos podem ser inapropriados e com custos elevados especificamente aos países em desenvolvimento. Nós, na Índia, seguimos este princípio da declaração, e sofremos grande pressão por causa disso. O que tem de ficar claro é que o meio ambiente precisa ser considerado. Ele é vital, mas os padrões aplicados não devem custar mais caro que as prioridades locais. Na minha opinião, o Brasil também deveria seguir à risca esse princípio que foi assinado no Rio de Janeiro. É fundamental que os agricultores e formuladores de políticos trabalhem para garantir esses direitos.
E a questão do aquecimento global?
Devemos adotar práticas sustentáveis e de proteção ambiental, mas a agricultura não agrava os problemas que já existem. Quero ressaltar que a Índia, que tem uma renda per capita de U$ 450 por ano e uma população de 1,1 bilhão de habitantes, não pode ser comparada, por exemplo, com a Suíça, que tem U$ 33 mil de renda per capita e oito milhões de habitantes. Temos que seguir o que é correto para cada país. Por isso, nós tomamos as decisões que são boas para o nosso país. O aquecimento global é uma questão mundial e precisa ser discutido, tanto na agricultura quanto em qualquer outro segmento produtivo. Não negligenciamos a questão ambiental, mas para mim o principal objetivo da agricultura é servir ao seu povo. Na Índia, a questão mais importante é alimentar 1,1 bilhão de habitantes. Esse é o nosso desafio.
Fonte : Agência CNA