Estouro no Xingu – Operação Mapinguari

16 de maio de 2007, às 0h00 - Tempo de leitura aproximado: 6 minutos

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O Ibama e a Polícia Federal iniciaram na madrugada desta quarta-feira a Operação Mapinguari, uma grande investida de fiscalização para reprimir desmatamentos dentro do Parque Indígena do Xingu, a maior área protegida de Mato Grosso, com quase três milhões de hectares. Com apoio da Polícia Rodoviária Federal e de dois helicópteros, 69 policiais federais e mais 35 fiscais do Ibama fazem levantamentos em pátios de madeireiras e embargam propriedades que têm cometido irregularidades no entorno da terra indígena, nos municípios de Vera e Feliz Natal. Ao todo, foram expedidos 57 mandados de busca e apreensão e outros 47 de prisão em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Entre os envolvidos estão um funcionário da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) e três servidores do Ibama no município de Sinop.

De acordo com Leslie Tavares, chefe da fiscalização do Ibama em Cuiabá, desde 2005 as áreas de desmatamento dentro e fora do parque indígena têm sido monitoradas. Por meio da abertura de picadas na mata que ligam propriedades do entorno à terra indígena, foram somados 9.334 hectares de desflorestamento em pontos até 20 quilômetros no interior da área, com perdas estimadas de, no mínimo, 98 mil metros cúbicos de madeira. Essa foi uma das razões que reforçaram a suspeita de que os índios da etnia Trumai estivessem facilitando a ação dos madeireiros, conforme verificado numa operação na mesma área que envolveu confronto em novembro de 2005. Por isso, desta vez, líderes do grupo foram incluídos na lista de mandados de prisão e devem ser detidos.

Durante os seis meses de organização dos trabalhos, foram verificadas autorizações indevidas de planos de manejo em dezenas de propriedades rurais consolidadas hoje em duas grandes fazendas no entorno da terra indígena. A gerência do Ibama em Sinop, a extinta Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema) e atual Sema emitiram autorizações sobre áreas já desmatadas. A concessão de tais permissões libera créditos para exploração de madeira numa determinada área, só que se lá não há mais árvores, o proprietário passa a ter em mãos um documento que o permite “esquentar” madeira retirada ilegalmente de outro lugar. No caso, de dentro da terra indígena. “A opção por explorar no parque indígena explica-se pela escassez de madeira em praticamente todas as áreas vizinhas”, conclui Tavares. Pode-se afirmar que 70% da área de todas as fazendas da região já foram dizimados.

Em um dos casos, o Ibama autorizou, sem qualquer atenção, oito planos numa mesma área. “Alguns desses planos foram recebidos e autorizados pelo Ibama em 48 horas em plena véspera de Ano Novo, o que é muito suspeito”, diz Tavares.

De acordo com o relatório entregue ao Ministério Público Federal, a exploração florestal na região limítrofe ao parque do Xingu tem sido executada sem licenciamento ambiental ou as devidas permissões de planos de manejo e desmatamento. Feita de qualquer maneira, os impactos à floresta são elevados, com a identificação de grandes clareiras, largas trilhas e solo exposto. Tudo isso numa região cuja situação fundiária é extremamente duvidosa, sustentada por documentos imprecisos, duplicidade de títulos, falta de averbações, etc.

Currículos recheados

Ao iniciar as investigações sobre casos específicos de desmatamento no entorno do Parque Indígena do Xingu, outras irregularidades começaram a aparecer. Segundo o Ibama, a Sema, por exemplo, desrespeitou uma decisão liminar da Justiça que determinava a suspensão de autorizações para desmatamentos de até 50% das propriedades localizadas nessa região central do Mato Grosso, considerada pelo estado área de transição entre o Cerrado e a Amazônia. Tais fazendas deveriam firmar Termos de Ajustamento de Condutas (TACs) para recuperar as áreas autorizadas irregularmente. Em 2007, no entanto, o Ibama identificou permissões para desmatamento de 80% nas propriedades, o que inverte o que diz o Código Florestal ao definir proteção justamente com esse mesmo percentual em áreas dentro da Amazônia Legal.

Desde 2004, uma série de denúncias tem sido encaminhada ao Ibama acusando a liderança indígena Ararapan e parentes de negociarem retirada de madeira no interior do Parque do Xingu. Esses mesmos índios passaram a ser vistos circulando em caminhonetes de luxo. Outras lideranças conhecidas como Kaiti e Guerreiro, da etnia Kaiapó, também foram denunciados como comerciantes de suas áreas para exploração madeireira e garimpo.

Além dos índios, o empresário Nei Frâncio, tido como o terceiro maior sojicultor do país e dono da colonizadora que fundou a cidade de Feliz Natal, e sua irmã Luciane Frâncio Garaffa, têm inúmeras denúncias em suas costas de exploração de madeira dentro da Terra Indígena. Além disso, ambos estão sendo processados pelo Ministério do Trabalho por manter trabalhadores em condições degradantes em outras fazendas de Vera e Feliz Natal. Uma delas foi autuada em seis milhões de reais pelo Ibama, em 2005, por não possuir nenhuma área florestal. No entanto, não respeitam o embargo.

Os irmãos Ivo, Ilton e João Vincentini, proprietários de áreas relativamente pequenas no entorno da Terra Indígena, venderam suas terras paulatinamente desde os anos 90 ao empresário Nei Frâncio, que as juntou em fazendas e, algumas vezes, recebeu autorizações para desmatamento em cada um dos fragmentos adquiridos. Isso tornou impossível a manutenção das reservas legais. Essas fazendas têm acesso à BR-163 através da chamada rodovia da soja – prolongamento da MT 225. Delas, foram identificadas três estradas de terra com extensão de cerca de 15 quilômetros até a divisa do Parque Indígena do Xingu. É através dela que boa parte da madeira é escoada.

Ivo é acusado de grilagem de terras e de comandar conflitos com garimpeiros e agricultores em Itaituba, no Pará. Ilton é dono da empresa Rural Biodiesel, na cidade sul-mato-grossense de Eldorado e aguarda a liberação de 41 milhões de reais do BNDES para implementar seu negócio no estado vizinho. E João é proprietário do Xingu Refúgio Amazônico, que explora turisticamente as etnias Waurá e Trumai, cobrando ingressos para visitação no parque. Eles e os engenheiros florestais responsáveis pelos planos de manejo dessas áreas, todos falsos, receberam ordem de prisão temporária.

Já Manoel Messias Sales, prefeito de Feliz Natal, também foi investigado por desmatamento em área de reserva legal, preservação permanente e até instalou, por sua conta em uma de suas fazendas, uma placa indicando manejo florestal que não foi autorizado por nenhum órgão ambiental. O influente deputado Mauro Savi também é acusado de coordenar a invasão de algumas áreas.

Tantas denúncias e processos entregues ao MPF foram, segundo Tavares, suficientes para encher dois carrinhos de bagagem, como os de aeroportos. Com base nesses documentos, o Ibama sugere que os planos de manejo e aprovações futuras de licenciamentos sejam feitos considerando a propriedade como um todo, unificando as matrículas, que permitem fragmentar todas as porções florestadas. A exigência de estudo de impacto ambiental e interdição imediata de todos os planos de manejo da área também foram recomendados.

Fonte: O Eco