Mamonas assassinas… porém sagradas

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 8 minutos

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Expedito José de Sá Parente, professor aposentado da UFC, diretor da TecBio. Artigo enviado pelo autor ao ‘JC e-mail’

Um hectare de mamoneira pode gerar até 750 kg de óleo, podendo resultar 800 litros de biodiesel. Se consorciada com o feijão de ciclo curto, dois hectares de lavoura são suficientes para promover a inclusão social de uma família em estado de miséria

Planta bastante disseminada nos terrenos baldios, a carrapateira nos lembra a infância com alegria, pois o seu fruto substituía a pedra usada como bala de baladeira.

Apesar de ser um instrumento bélico dos meninos, nunca provocou mais que a alegria e agitação dos adolescentes traquinos. Eles não sabiam que das bagas daqueles frutos, com a aparência de carrapatos, extraía-se o óleo de rícino, usado no passado próximo como eficiente vermífugo.

O tal óleo de rícino era o óleo de mamona, odiado por todos que foram obrigados a tomar. Para concluir aquela terrível degustação, o jovem era obrigado a tomar uma xícara média de café amargo.

O resíduo da extração daquele odiado óleo é muito venenoso, assassino, mas que nunca matou ninguém.

No mundo dos adultos, o óleo de mamona encontra milhares de aplicações na indústria química e farmacêutica. Várias delas, na produção de plásticos, de lubrificantes e de remédios.

Outras aplicações direcionam-se para as artes bélicas, na composição e fabrico de determinados produtos utilizados nos tanques, nas metralhadoras, nos mísseis e em outros armamentos.

A história dos preços do óleo de mamona coincide com a história das guerras, quando as mamonas tornam-se verdadeiramente assassinas. De fato, a Massacre do Iraque fez o óleo de mamona atingir no mercado internacional o exorbitante valor de US$ 1.170 a tonelada, ou seja, R$ 3,40 o quilo.

Durante a Segunda Guerra Mundial, na Guerra do Vietnam e na Guerra do Golfo, o fenômeno da super elevação nos preços do óleo de mamona aconteceu repetidamente em sua evidente plenitude.

Nas entressafras das guerras, os estoques do óleo de mamona se recompõem e os preços de mercado ajustam-se automaticamente, situando-se no patamar de US$ 400 a tonelada, ou seja, R$ 1,10 o quilo.

O serrote dos preços do óleo de mamona quebrou muita gente, em especial, os pequenos e numerosos agricultores nordestinos, infelizmente o elo mais frágil e desprestigiado da cadeia produtiva.

O Ceará já foi o maior produtor de mamona, e o Brasil, o campeão mundial em ricinocultura. Hoje é a Bahia, disparado o grande campeão nacional.

A China e a Índia são os maiores produtores, seguindo-se o Brasil que tem se contentado com o prudente terceiro lugar. Os produtores mundiais disputam o mercado químico, que apesar das múltiplas aplicações e direcionamentos, possui uma modesta demanda de 800 milhões de toneladas anuais. Eureka…

De assassinas para salvadoras, sagradas. Diante do inusitado, um fantástico desafio! Quem te viu, quem te vê, quem te verá?

Um hectare de mamoneira pode gerar até 750 kg de óleo, podendo resultar 800 litros de biodiesel. Se consorciada com o feijão de ciclo curto, dois hectares de lavoura são suficientes para promover a inclusão social de uma família em estado de miséria.

Um ônibus urbano, que pode consumir anualmente 40.000 litros do biocombustível, tem o poder mágico de promover a inclusão social de até 40 famílias, e ainda transformar-se num eficiente soldado no combate ao efeito estufa e à poluição ambiental.

Numa outra forma, com 270 litros de biodiesel é possível gerar um megawatt-hora de eletricidade. Gerando 5 Mwh de bioeletricidade promove-se a inclusão social de uma família rural.

Neste ponto torna-se bastante oportuno e necessário ressaltar os benefícios ambientais do biodiesel, em especial, o de mamona.

É fato comprovado que a combustibilidade do biodiesel é muito superior a do petrodiesel, razão pela qual, a mistura biodiesel/petrodiesel na proporção de 20-25% resulta na completa eliminação da fuligem das emissões veiculares.

Atribui-se às excessivas incrustações de fuligem nos pulmões, fenômeno especialmente constatado nos grandes centros urbanos, como um fator dominante da tuberculose crônica moderna, responsável por um número de óbitos superior aos motivados pela AIDS.

Esta é a razão original do porque ‘todos os ônibus urbanos na França usam misturas biodiesel/petrodiesel em proporções balizadas em suas disponibilidades’.

Estimativas da Embrapa indicam que um hectare de lavoura de mamona é capaz de absorver anualmente, pela fotossíntese, cerca de 8 toneladas de gás carbono, devolvendo para a atmosfera, quase 6 toneladas de oxigênio puro, combatendo o danoso efeito estufa.

Segundo o Tratado de Quioto, o seqüestro de gás carbono está valendo dinheiro, a razão atual de US$ 6 a tonelada, nos chamados ‘certificados de carbono’ que prometem valer muito mais no futuro.

A eliminação do enxofre do óleo diesel nas refinarias de petróleo é questão fechada na Europa que já iniciou uma ambiciosa agenda contida em protocolo.

Dos processos de retirada do enxofre contido originalmente no óleo diesel mineral resulta na destruição das mercaptanas, substâncias responsáveis pela lubricidade do produto. A linguagem popular diz que o óleo diesel fica aguado.

A reposição dessa característica, imprescindível para a longevidade dos motores, tem sido feita adicionando biodiesel na proporção de 5 a 8%, quando a lubricidade torna-se adequada, mesmo para os equipamentos modernos de alta velocidade.

Um fato auspicioso é que a lubricidade do biodiesel de mamona é 30% superior ao biodiesel oriundo dos demais óleos, significando um considerável diferencial em favor do biodiesel de mamona que tem a capacidade de reconstituir a lubricidade do petrodiesel dessulfurado a razão de 30% a menos.

Cada tonelada de mamona processada obtém-se cerca de 600 kg de torta, um precioso biofertilizante, capaz de combater as doenças do solo, os nematóides.

Associando a propriedade nematicida ao seu elevado teor de nitrogênio, o preço da torta de mamona tem crescido sistematicamente, já alcançando a marca dos R$ 300,00 à tonelada no Nordeste e R$ 500,00 no Sul e Centro Sul.

Uma questão que tem sido discutida é a viabilidade econômica da produção do biodiesel a partir do óleo de mamona. Pergunta-se: É possível viabilizar economicamente o biodiesel de mamona quando o preço do quilograma do óleo virgem situa-se em níveis mais elevados que os próprios preços do óleo diesel mineral?

Este assunto merece as seguintes considerações: Análise econômica recente demonstra que o preço máximo admissível de um óleo vegetal para ser convertido em biodiesel competitivo é de US$ 400 a tonelada, ou seja, a R$ 1,15 o quilo.

Considerou-se para isto uma completa isenção dos impostos, o emprego do álcool metílico como coadjuvante da conversão, e a inclusão dos créditos da glicerina, vendido como sub produto à razão de US$ 500 a tonelada.

Já é um consenso no Poder Central, a adoção de uma política de completa desoneração das taxas e impostos incidentes sobre a produção e comercialização do biodiesel, a exemplo do que acontece na Europa e EUA.

Por outro lado, existe uma determinação política brasileira orientando o uso do álcool etílico como coadjuvante da conversão dos óleos vegetais em biodiesel, substituindo assim o álcool metílico.

Contramão do que vem acontecendo no exterior, a adoção dessa política dita nacionalista, deverá resultar num significativo ônus na formação dos custos do biodiesel brasileiro, seja a partir da mamona ou de qualquer outra oleaginosa.

Dessa forma, a introdução de adversidades deverá induzir um preço máximo admissível da matéria prima bastante diminuído, ou em troca, deverá ser adotada uma política de preços ajustados de compensação para o biodiesel.

Em seu retorno da pós-guerra iraquiana, os preços do óleo de mamona têm decrescido lentamente, do patamar máximo dos US$ 1.170 para a faixa atual de 800-900 dólares a tonelada, com a tendência de baixa, à medida que as hostilidades diminuem.

Mesmo nestes níveis intermediários de preço, é melhor exportar o óleo, o que permite capitalizar o setor agrícola e o setor de extração de forma diferenciada.

A exportação com base em preços convidativos é sempre um bom negócio, porém provisório, uma vez que o mercado químico facilmente será inundado com o óleo de mamona e o seu preço será inevitavelmente aviltado, fato que já ocorreu em diversas ocasiões.

Ademais, qualquer cem mil novos hectares em plantações de mamona, certamente promoverão um rebaixamento considerável nos preços internacionais do óleo de mamona.

Para o mercado energético, tem se pensado em milhões de hectares, os quais deverão atropelar o mercado químico. Alguns indivíduos, felizmente muito raros, têm manifestado descrédito ao uso da mamona para fins energéticos.

A persistência nessa posição poderia ser atribuída à falta de conhecimento das leis fundamentais de mercado, dos conhecimentos básicos de aritmética, ou mesmo, até por interesses contrariados, em detrimento ou desprezo, de sobremaneira, dos valores sociais e ambientais do Programa.

O Presidente Lula, em sua última audiência concedida sobre o tema biodiesel, com duração de duas horas e meia, foi muito claro e enfático afirmando que o Programa Nacional do Biodiesel tinha um endereço preferencial às regiões semi-áridas, e que depositava nas lavouras familiares de mamona uma rara opção de desenvolvimento.

Com faro de quem foi menino descontraído, criado com óleo de rícino e baladeira no pescoço, conseguiu transformar frustrações em vitórias, e uma delas certamente deverá ser a consecução do ora irreversivelmente e inevitável – a consagração das mamonas assassinas.