Médicos construtores

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 3 minutos

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Ênio Padilha, engenheiro eletricista, especializado em Marketing para Engenharia, Arquitetura e Agronomia. E-mail: eniopadilha@uol.com.br. Site: www.eniopadilha.com.br

Deu no Jornal Nacional de sábado, dia 31 de julho: Profissionais especializados aproveitam os fins de semana para melhorar a qualidade das construções nos bairros pobres, aumentando a segurança das obras e reduzindo o número de acidentes com crianças.

A reportagem, que durou exatos 2 minutos, não mostrou nenhum arquiteto, nem engenheiro, tecnólogo, técnico ou qualquer outro profissional ligado ao sistema CONFEA/CREA. Os “profissionais” apresentados na matéria usavam mais do que capacetes brancos. Usavam também jalecos e guarda-pós igualmente brancos: eram médicos, fisioterapeutas e enfermeiros…

Os fatos são os seguintes: no ano passado 7500 crianças caíram de lajes desprotegidas na cidade de São Paulo. É que, por falta de praças e parques, as crianças se divertem brincando em cima das lajes. E, como elas são construídas sem as devidas proteções, os acidentes são inevitáveis.

Só no bairro mostrado na reportagem, na zona leste da cidade, são 35 acidentes por mês (e nas férias este número triplica).

Sensíveis ao problema, médicos de uma Organização Não Governamental resolveram agir: há mais de três anos aproveitam os fins de semana para dar orientações de segurança aos moradores das comunidades pobres. Passam de casa em casa e alertam os pais sobre os riscos de as crianças utilizarem as lajes sem os muros de proteção.

Como o número de acidentes não diminuiu, eles resolveram (como disse a repórter) “encarar o tijolo e o cimento para tentar mudar as estatísticas”. Resolveram eles próprios “botarem a mão na massa” e ajudarem na construção dos muros de proteção.

Não sem uma consultoria especializada, evidentemente. O consultor escolhido foi o “seu” Orlando, um pedreiro do bairro, que deu as especificações técnicas e as quantidades dos materiais a serem utilizados na obra.

No fim da reportagem o Dr. Sérgio Branco, Neurocirurgião, concluiu satisfeito: “O médico tem que mostrar que nós estamos construindo um país. Nós temos a força de tentar levantar e movimentar a comunidade”.

Dados os fatos, nós, os 850 mil profissionais do sistema CONFEA/CREA podemos chegar a algumas conclusões e tomar algumas decisões. Podemos, por exemplo, concluir que houve um flagrante exercício ilegal da profissão e decidir aplicar ao Dr. Sérgio e sua turma os rigores da lei (não esquecer de cobrar da Rede Globo uma indenização por danos morais);

Podemos, por outro lado, enviar uma carta ao Dr. Sérgio (com cópia para a Rede Globo) parabenizando a iniciativa e o senso de cidadania. E agradecendo por nos abrir os olhos e pela sugestão de ação social relevante, sem considerar a fantástica oportunidade de fazer marketing institucional das nossas atividades profissionais;

Podemos botar a nossa decantada inteligência para funcionar e criar, dentro do sistema, leis que desamarrem (e mantenham sob nosso controle) o varejo da construção civil, um poderoso segmento de mercado que, inexplicavelmente, foi abandonado tanto pela Arquitetura quanto pela Engenharia e conquistado, pouco-a-pouco, por curiosos de todas as formações.

Por que não permitir, por exemplo, que estudantes (de 4o ou 5o ano) de Engenharia e de Arquitetura tenham autorização para fazer obras de até 70 ou 80 metros quadrados, mediante o registro de uma ART especial?

Por que não estimular a criação de “brigadas” de ajuda às construções de baixa renda, sem as amarrações legais e taxas disso e daquilo. O retorno em reconhecimento público do valor das profissões seria muito mais relevante do que eventuais receitas perdidas.

Não podemos perder o domínio do ambiente profissional da construção civil para médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e pedreiros! E, nessas circunstâncias, nem podemos acusá-los de coisa alguma. Afinal eles nada mais fizeram do que ocupar um lugar que estava abandonado.