Mudanças Climáticas e o papel das Políticas

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 11 minutos

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Mônica Kofler Freitas (*)

Depois da publicação dos relatórios IPCC (2007) confirmando que o aquecimento global não é apenas um processo cíclico da natureza de aquecimento/esfriamento, mas que as ações humanas têm a sua contribuição significativa em função das elevadas emissões de CO2 (dióxido de carboro) CH4, (gás metano) além de outros gases, devido principalmente ao uso intensivo dos combustíveis fósseis, práticas e tipos de agricultura, áreas imensas para uso de pastagens, desmatamentos e queimadas desregradas nas florestas e consumo de energia elétrica nas cidades.

Devemos ter consciência de que o desenvolvimento urbano deve implicar na preservação máxima do ambiente natural e que envolve uma série de soluções nos vários setores para que se tenha condições de qualidade ambiental.

A produção de resíduos sólidos e resíduos especiais, por exemplo, nos municípios brasileiros ainda é grave, cerca de 63,6 % utilizam lixões sem qualquer tipo de tratamento; 32,2% aterros, divididos em 13,8 % sanitários e 18,4 % aterros controlados; e, 5% dos municípios recebem tratamento em usina. Somente as maiores cidades são responsáveis pela produção diária 51.635 toneladas por dia de todo o lixo urbano brasileiro. Nas regiões N e NE a parcela do lixo recolhido que é jogada em vazadouros é bem maior – em torno de 90%. Na Região Norte, dentro desses 90%, aproximadamente 23% são jogados em áreas alagadas. Nas regiões S e SE a maior parte do lixo coletado em municípios com mais de 300 mil habitantes recebem tratamento
(ABRELPE, 2006).

Na história da agricultura, o manejo do solo e plantio foram uma das causas e conseqüências do desenvolvimento de algumas cidades. A ampliação desregrada da monocultura da cana no Estado de São Paulo e as práticas agrícolas que agridem o meio ambiente contribuem com 20% dos gases do efeito estufa (GEE). Só no ano safra de 2004 a área de plantio foi de 3,16 milhões de ha, com um aumento em 2005 de aproximadamente 12%.

Hoje sabemos que urge a necessidade de se criar e implementar políticas públicas direcionadas a redução das emissões dos GEE relacionadas as Mudanças Climáticas tanto em escala Nacional como Regional e Local, podendo ser divididas em dois eixos de ações: Mitigação e Adaptação. As medidas de Mitigação envolvem a redução das emissões dos GEE de forma a atingir diretamente a causa do problema. Esse processo se dá em longo prazo e o nível de decisão é governo federal envolvendo acordos internacionais. Já as medidas Adaptativas estão relacionadas aos benefícios regionais e locais, o qual deve ser tratado de maneira pragmática, inclusive com o desenvolvimento de cenários alternativos que levem em conta as necessidades do desenvolvimento sócio-econômico-ambiental.

As medidas Adaptativas não são direcionadas apenas em consideração ao aquecimento global, mas também a variabilidade climática atual e eventos extremos, como ondas de calor, tempestades, enchentes e ciclones. As ações envolvem à recuperação de áreas degradadas, proteção das matas ciliares e nascentes, saneamento básico em cidades e zonas mais pobres, redução do consumo de energia elétrica e o melhoramento da eficiência nas edificações e podem ser empregadas como parte de iniciativas setoriais na área de Recursos Hídricos, Infra-estrutura, Ocupação do solo, Saúde e Macro-zoneamento rural aliadas ao Planejamento Urbano-ambiental da cidade.

A inter-relação entre mitigação e adaptação pode ser dar em diferentes níveis, temos como exemplo algumas ações:
• O uso do ar condicionado nas edificações: – efeito negativo sobre mitigação; segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), o setor de construção civil é responsável por cerca de 30 a 40% do consumo global de energia nas edificações. O Brasil é o sexto país que contribui com emissão de CO2 neste setor da construção civil (308 milhões de toneladas de CO2). O relatório Building and Climate Change publicado no início de 2007 ressalta que mais de um quinto do consumo de energia e mais de 45 milhões toneladas de CO2 poderiam ser economizados por ano até 2010 com a aplicação de medidas adaptativas para prédios novos e já existentes.

• O uso de técnicas para climatização natural, utilização de materiais de melhor desempenho térmico nas construções e uso de materiais reciclados de prédios, adequação do tamanho e da forma do prédio para seu propósito de uso: – efeito positivo sobre mitigação; para alcançar maior eficiência energética em prédios, não é preciso usar soluções tecnológicas avançadas e caras, soluções simples como projetos inteligentes, soluções flexíveis de energia e fornecimento de informação apropriada aos usuários do prédio; Exemplos: a substituição de lâmpadas incandescentes por lâmpadas comuns, sistemas inteligentes para uso da água na residência como por exemplo o reuso de água pluviais na irrigação, lavagem de pisos externos em sanitários e descarga econômica passam a economizar de 4 a 5 litros por pessoa por dia, sendo que o normal é de 9 a 10 litros por pessoa.

• Inovação tecnológica nos transportes coletivos e mais incentivos a transportesúblicos, medidas restritivas ao uso do automóvel particular através de pedágios urbanos e da maior taxação, o estímulo ao uso de veículos híbridosgasolina/eletricidade) e a biocombustíveis e o aumento da eficiência dos motores: – efeitos sobre a mitigação; O setor de transportes é um dos mais complexos para se obter uma redução significativa nas emissões, dada à multiplicidade de agentes envolvidos e ao ônus político necessário para implantar as mudanças. O desafio hoje é aumentar a eficiência desde a engenharia dos motores até a engenharia do tráfego.

Outros procedimentos também podem ser adotados, como:
– dirigir de forma adequada;
– utilizar veículos mais eficientes;
– revisar o veículo periódicamente, como por exemplo, pneus calibrados economiza combustível;
– revisar a emissão de gases do automóvel; e
– reduzir o uso do ar-condicionado;

• Conservação das florestas: – terá efeitos positivos sobre a mitigação. O Brasilontribui com 75% emissões dos GEE, onde as queimadas respondem por 18% a 25% das emissões, atrás somente das emissões devido ao uso de energia. Dos dez países que abrigam 80% das florestas nativas do planeta, o Brasil, México e Indonésia contabilizaram as maiores perdas entre 2000 e 2005. O Brasil já tem hoje leis adequadas para a preservação das florestas, mas não existe vontade política nem recursos para implementá-las.

• Arborização urbana e o uso de espécies nativas para preservação da biodiversidade e minimiza ilhas de calor: – terá efeito positivo sobre a adaptação. O fenômeno das Ilhas de Calor manifesta-se no aquecimento desigual das diversas regiões urbanas, de acordo com o tipo de construção e disponibilidade de áreas verdes e uso do solo. Nas regiões densamente ocupadas por prédios, avenidas e pouco arborizadas, o calor é refletido por materiais como vidro, metais e por partículas poluentes gerando um clima urbano com temperaturas elevadas. O Cinturão Verde pode ser uma das propostas nas áreas circunvizinhas urbanas favorecendo a estabilização ou minimização da desestabilização das condições ambientais de vida de toda a região para a estabilidade climática, biodiversidade, recuperação atmosférica, suprimento de água e proteção dos mananciais, proteção contra erosão do solo, assoreamentos e reserva de patrimônio ambiental.

• Práticas agrícolas e manejo ecológico do solo voltadas a preservação ambiental, incentivar agro-sistemas familiares e macro-zoneamento agrícola para identificar áreas naturais com potencial para preservação; buscar o desenvolvimento econômico comprometido com o meio ambiente: – ocasionará efeitos positivos sobre a adaptação.

Para se ter uma idéia da contribuição relacionadas a mudanças no uso da terra, a estimativa das taxas anuais líquidas de emissão de CO2 para a atmosfera no Brasil foi de 46,4 milhões de toneladas no período de 1975-1995.

• Aplicação dos Instrumentos do Estatuto da Cidade para incentivar, como a ocupação ambientalmente correta dos vazios urbanos evitando-se a especulação imobiliária; a reutilização de prédios abandonados para desenvolvimento de atividades sócios-educativas-ambiental, reestruturar área urbana com finalidade de criação de novas áreas de lazer e entretenimento com predominância de vegetação, áreas especiais de interesse paisagístico e áreas especiais de preservação ambiental: – efeitos positivos sobre adaptação;

• Identificar e monitorar o Potencial de Espaços Verdes públicos por micro-regiões urbanas, pois não basta cumprir as exigências legais de percentuais de áreas verdes, porém zelar por uma distribuição homogêneas dessas áreas formando parques e não pequenas praças isoladas; manter um monitoramente do índice verde por habitantes considerando as áreas efetivamente urbanizadas: – efeitos positivos sobre adaptação;

• A educação ambiental é um eixo fundamental para a conscientização e mudanças no padrão de comportamento de cada indivíduo sobre a preservação ambiental na vida cotidiana. Para isso é destaca-se:
– a participação comunitária nas discussões sobre a qualidade ambiental na cidade e zona rural;
– a criação de programas de educação ambiental para e com a comunidade local;
– o incentivo nas escolas de ensino fundamental e nas universidades para a discussão com alunos sobre os problemas ambientais dos municípios, com inclusão de disciplina opcional de educação ambiental;

Os dois eixos de medidas (Mitigação e Adaptação) devem ser empregados de forma integrada para reduzir os riscos de mudanças climáticas na natureza e seus efeitos na comunidade, por isso suas ações não devem ser isoladas. É preciso que haja um Plano Nacional de Mitigação que compreenda a redução dos GEE e adaptação para combater as causas do aquecimento global a nível municipal. São ações que podem ser iniciadas com a elaboração do Mapeamento da Vulnerabilidade Ambiental nas cidades brasileiras e até para cumprir o estabelecido na Agenda 21.

O desenvolvimento de cenários alternativos para cada cidade pode auxiliar nos planos de ações adaptativas e mitigadoras levando em conta as necessidades do local e estabelecer estratégias para atingi-las. Embora os cenários não sejam modelos preditivos, o seu objetivo principal é identificar o que pode ocorrer, levando as pessoas a pensar em caminhos alternativos para um futuro desejável sob o enfoque do desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável é um conceito crucial, presente na pauta das grandes questões globais, associado à preservação de recursos para as gerações futuras. A população mundial atual de 6,4 bilhões de habitantes, e a previsão é de que em meados do século XXI esse número seja de 9,5 bilhões de pessoas, exige que para melhores condições de vida mais saudável não adote-se uma lógica contraria a uma lógica de crescimento econômico a qualquer custo.

O Brasil com uma população de 186 milhões de habitantes (IBGE, 2006) é muito
vulnerável e não está preparado aos efeitos danosos do aquecimento global.

Aos municípios cabem as responsabilidades de elaborar Planos de Ações e Estratégias visando a qualidade ambiental na cidade e contribuir para o equilíbrio do nosso planeta.

A iniciativa na elaboração de políticas públicas e ações exige estratégias para oesenvolvimento urbano nas cidades brasileiras. Algumas questões devem ser tratadas:
– Ampliar e difundir o debate concernente às mudanças climáticas nas diversasegiões do país conjuntamente debatidas entre a população, representantes da sociedade civil, área acadêmica e o legislativo;
– Aprofundar o debate sobre as questões relacionadas ao Desenvolvimento Regional e desenvolver propostas de programas e ações de MDL (projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo);
– Atuar como catalisador das discussões concernentes às definições de estratégias nacionais de desenvolvimento;
– O uso de Geotecnologias para gerar informações, análises e avaliações espaciais;
– Publicar um relatório anual do município de um balanço ambiental para apresentar seus Inventários de Emissões, utilização da biomassa e preservação ambiental.

* É arquiteta urbanista, pesquisadora pela UNESP/IGCE, Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – Campus de Rio Claro.