Na contra-mão da preservação
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
Nessa semana, em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, é interessante fazermos uma reflexão: estamos caminhando na direção certa quando o assunto é preservação?
Nas palestras e cursos que tenho realizado por todo o Brasil, constato nitidamente o quão profunda está arraigada a imagem mítica e negativa dos tubarões na cabeça das pessoas, de modo geral. Muito dessa visão deturpada se deve à falta de informações sérias conjugada com a insistência da mídia em colocar o tubarão como a grande fera, o terror dos mares, o que de certa forma contribui para a falta de consciência e posicionamento a respeito da ameaça que os tubarões estão enfrentando.
Não obstante, percebo também como, ao tomarem conhecimento sobre o que é verdade e o que é mito e sobre o importante papel exercido pelos tubarões na manutenção do ecossistema marinho sadio e equilibrado, as pessoas se desarmam e se dão conta de que seu sentimento é meramente uma fobia, um medo desproporcional e sem motivação real.
Isso mostra que estamos no caminho certo, que se conseguirmos atingir o grande público leigo, o importante trabalho de desmitificação que o Projeto Tubarões no Brasil vem fazendo obterá êxito e contribuirá sobremaneira para as ações de preservação. Mas estamos falando da população civil. E é claro que é importante atingi-la, mas pouco efetivo se tornará nosso trabalho se também não atingirmos os pescadores, os funcionários dos órgãos ambientais, os políticos e os governantes.
Um exemplo claro dessa falta de sintonia na esfera governamental é a Instrução Normativa (IN) nº 52, de novembro de 2005, que revisou os Anexos I e II da IN nº 5, de maio de 2004. Analisando suas mudanças tem-se a nítida impressão de que o Ministério do Meio Ambiente está na contra-mão dos organismos internacionais de proteção e preservação da fauna marinha.
Na atualização da Lista Vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), que acaba de ser publicada, quatro espécies de tubarões foram incluídas e outras quatro subiram na categoria de ameaça. Já a revisão feita pelo Ministério do Meio Ambiente, alterando os Anexos I e II da IN nº 5, realocou três espécies (do gênero Carcharhinus) do Anexo I para o Anexo II, diminuindo sua categoria de ameaça, e excluiu uma espécie do Anexo II, retirando-a de qualquer grau de ameaça. Acontece que as espécies C. longimanus (galha-branca oceânico), que foi realocada, e Lamna nasus (marracho), que foi excluída da IN, são duas das quatro espécies que subiram na categoria de ameaça na Lista Vermelha da IUCN. Podemos imaginar, no mínimo, que seus critérios de avaliação são completamente diferentes, mas vai além disso.
Deve haver algo errado em uma das duas listas. Em qual será? A resposta pode ser mais facilmente obtida se compararmos os níveis de investimento e comprometimento governamental em pesquisas e estudos sobre a pesca e as populações de tubarões com o objetivo de determinar cotas, normas e mecanismos para o manejo e a conservação dos tubarões.
Será que o Grupo de Trabalho, que define critérios e procedimentos para a revisão da IN, e a Comissão Nacional de Biodiversidade, que dispõe sobre as recomendações de alteração da IN, sofreram pressões por parte da indústria pesqueira e da própria SEAP (Secretaria Especial de Pesca e Agricutura criada pelo governo Lula), que, como se sabe, tem uma visão oposta à visão preservacionista do IBAMA.
Basta dar uma olhada no quadro das espécies ameaçadas de extinção, publicada pelo Projeto Tubarões no Brasil, para constatar que das 88 espécies de tubarões ocorrentes em nosso litoral, 38 já estão em uma das três listas de espécies ameaçadas de extinção. Ou seja, 43% das nossas espécies já estão ameaçadas, em maior ou menor grau, pela pesca predatória e pela sobrepesca. Mas ainda assim, o governo Lula proporciona um aumento no esforço de pesca, incentivando e financiando a construção de novas embarcações para a indústria pesqueira, sem antes realizar estudos de avaliação do real e sustentável potencial pesqueiro brasileiro.
Pare e reflita! Por que será que até hoje não temos um sistema de cotas e restrições para a quantidade de tubarões capturados? Por que não temos áreas de berçario protegidas por lei? Por que não temos períodos de defeso? Por que não existem áreas delimitadas para a pesca na zona costeira brasileira? Alguém se habilita a responder?
As experiências de conservação nos Estados Unidos, Austrália e África do Sul, nos dá bons exemplos do que deve e pode ser feito pela esfera governamental para a conservação e o manejo das populações de tubarões atingidas pela pesca comercial. Continuaremos na contra-mão da preservação?
Marcelo Szpilman – biólogo marinho, diretor do Instituto Ecológico Aqualung e do Projeto Tubarões no Brasil – PROTUBA -, membro da Comissão Científica Nacional – COCIEN – da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos – CBPDS.