Não basta ser flex
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 3 minutos
O formidável avanço tecnológico que tornou a indústria automobilística nacional uma das mais competitivas e lucrativas do mundo não desobriga as montadoras dos ajustes necessários para enfrentar as crescentes ameaças impostas pelo aquecimento global. Estabelecer metas mais agressivas para aumentar a eficiência dos motores e reduzir as emissões de gases estufa na atmosfera deveriam ser questões não-vinculadas apenas às demandas do livre mercado, mas a objetivos estratégicos que fossem objeto de alguma regulação do Estado.
A mistura do álcool à gasolina, a expansão da frota de veículos movidos a gás e o boom dos motores flex contribuem para isso, mas não livram os veículos automotores do estigma de ainda serem os principais vilões do aquecimento global nos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro bem como da poluição atmosférica, com impactos importantes sobre a saúde e a qualidade de vida da população.
É possível reduzir a ameaça do aquecimento global e se beneficiar economicamente disso, declarou recentemente o secretário de Meio Ambiente da Califórnia, Alan Lloyd, com a autoridade de quem introduziu uma regulamentação sem precedentes para o setor automotivo num Estado onde circulam 23 milhões de veículos (11% de todo o CO2 emitido pelos veículos nos Estados Unidos têm origem na Califórnia). Pelas novas regras, os veículos deverão emitir gradativamente menos gases estufa a partir do ano de 2009, devendo alcançar até 2016 uma redução de 30%.
No Brasil, a legislação que define as regras do Programa de Controle de Emissões Veiculares estabelece metas e prazos para que as montadoras reduzam as emissões de alguns gases poluentes, mas o texto da Resolução Conama n 315 de 2002 não estabelece qualquer compromisso dos fabricantes em reduzir as emissões dos gases que agravam o aquecimento global, em particular de CO2 (dióxido de carbono), apontado pelos cientistas como o principal gás estufa. Em resumo, a situação poderia ser descrita da seguinte maneira: sabemos como fazer, mas não somos obrigados a fazer.
A superação tecnológica implica custos extras para os fabricantes que o consumidor saberá recompensar, seja pelo diferencial em termos de rendimento e eficiência num mercado extremamente competitivo isso conta pontos preciosos em favor do produto seja pelo desejo de contribuir para o não-agravamento do maior problema ambiental do século XXI, assunto que mobiliza cada vez mais fortemente governos, empresas e sociedade civil. Aliás, em vez de usar a publicidade para fomentar o desejo de possuir um bólido cada vez mais veloz em cidades cada vez mais engarrafadas, o que poderia ser entendido como propaganda enganosa a indústria automobilística poderia assegurar novos ganhos (financeiros e de imagem) investindo no conceito de mais eficiente.
Depois de um ótimo ano de 2005, em que foram vendidos 1,715 milhão de veículos o mês de dezembro foi o melhor da história com previsão de um aumento de 7,1% das vendas para este ano, as montadoras brasileiras não têm mais motivos para reclamar redução de impostos (quantas vezes o setor se beneficiou isoladamente da redução do IPI?) e poderia aproveitar o céu de brigadeiro para alçar vôo na direção do que em breve deverá ser entendido como regra nos principais mercados mundiais.
Não basta disponibilizar o flex que já responde por mais de 70% das vendas de veículos no país e transferir para o consumidor a escolha do combustível que julgue mais apropriado de acordo com as conveniências: o bolso, o meio ambiente, ou circunstancialmente os dois. É preciso fazer melhor e mais rápido. A definição de prazos para que as montadoras acelerem o ritmo das inovações tecnológicas em favor da redução dos gases estufa é algo possível, necessário e urgente.
André Trigueiro – Jornalista, pós graduado em Gestão Ambiental, autor do livro Mundo Sustentável, consultor e articulista do site www.ecopop.com.br
Fonte: www.ecoterrabrasil.com.br