Operador logístico no sistema construtivo

21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 15 minutos

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Hélio Flávio Vieira, Engº Civil/Produção, Professor/pesquisador, Doutor, FURB/UNIVALI. E-mail: hfvieira@terra.com.br. Texto veiculado no site www.interobras.com.br

A construção civil ao longo dos anos não deu a devida importância às questões relacionadas com suprimentos, estas sempre foram colocadas num patamar que não condiziam com sua relevância. A preocupação dos gestores era, basicamente, com a área técnica-estrutural em detrimento da área suprimentos, ou seja, negligenciou o gerenciamento do seu fluxo de suprimentos. Não acompanhou a evolução sentida na cadeia produtiva de outros setores da indústria, conviveu sempre com o desperdício e a improvisação dentro do seu ambiente construtivo. Isto pode ser entendido pelo fato de seus principais subsetores, edificações e construção pesada, apresentarem características de competitividade que conduziram a esta situação.

O subsetor de edificações sempre apresentou alto-suficiência no mercado interno, nunca sofreu uma forte ação competitiva, ou seja, o que era produzido era vendido, até mesmo em períodos de crise. Este fato deve-se à peculiaridade do mercado habitacional brasileiro ser extremamente carente em termos de moradias. O subsetor de construção pesada ou de infra-estrutura sempre teve como principal cliente o governo, onde os contratos eram de longa duração, com alterações/aditivos contratuais feitos de forma indiscriminada e na maioria das vezes superfaturados. Evidentemente, estes fatores contribuíram de forma contundente para que o empresário do setor sofresse um processo de “acomodamento competitivo” e contabilizasse a ineficiência, o desperdício e a improvisação nos orçamentos das obras ao invés de encontrar alternativas eficazes para melhorar seus desempenhos.

Hoje, a competitividade tornou-se mais acirrada e em ambos os subsetores, fazendo com que houvesse a necessidade de reverter este quadro através uma motivação compulsória por parte dos empresários do setor. Para tanto, a preocupação com o gerenciamento do fluxo de suprimentos, principal responsável pela ineficiência, desperdícios e improvisação no ambiente produtivo, passou a merecer ou a exigir um destaque bem maior, como única forma de colocar a construção civil em patamares próximos da indústria seriada. Está começando a ocorrer na construção civil um processo de mudança radical na concepção produtiva. Os métodos construtivos sofreram evoluções consideráveis e novas técnicas de fabricação de elementos estruturais passam a prevalecer, assim como , a montagem passa a tomar lugar da produção in loco , a movimentação dos materiais nos canteiros começa a ser especializar através da unitização e utilização de equipamentos compatíveis, ou seja, a construção civil está se aproximando muito do processo de industrialização seriada. Como o produto mudou, a tecnologia de gestão terá que mudar. O gerenciador da cadeia de suprimentos passa a merecer um destaque ainda maior, exigindo assim, a caracterização da figura do operador logístico que irá atuar de forma harmônica com o engenheiro de obras.

IMPORTÂNCIA DA LOGÍSTICA

A logística é um termo em muita evidência em todos os setores industriais/empresariais. Hoje, todas as grandes empresas, empresas de ponta, nos mais diversos setores, se utilizam da logística como forma de administrar seus fluxos produtivos com resultados inquestionáveis. Embora muitas empresas que dizem se utilizar da logística, na verdade não o fazem, apresentam a conotação de empresas de ponta, porém não usufruem dos reais benefícios que ela pode oferecer. Estas empresas possuem seu departamento de logística que cuida da administração de materiais, manufatura e da distribuição física, com suas diversas atividades relacionadas, porém como funções totalmente estanques, independentes e discretas. Sabendo-se que a característica intrínseca da logística é a integração, coordenação e controle destas atividades, pode-se concluir que está sendo empregada uma “falsa logística” e não aquela que encaminha a um aumento da produtividade, nível de serviço e uma redução de custos.

Dentre as indústrias manufatureiras, a construção civil, em especial o subsetor edificações, é a indústria que menos se utiliza da tecnologia logística em sua gestão produtiva, fato que repercute significativamente na produtividade, qualidade, prazos e com elevados índices de perdas e desperdícios. Evidentemente, isto ratifica o a situação em que se encontra este setor industrial onde todos os estudos apontam para índices entre 25% a 30% de perdas e desperdícios em relação aos quantitativos totais, ou seja, para cada três edificações construídas, praticamente, se poderia construir outra.

HISTÓRICO

Nunca é demais falar um pouco do histórico da logística. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, ela não é um novo processo ou uma nova metodologia administrativa. A logística sempre existiu, desde os tempos mais remotos quando o homem começou a produzir no local mais do que necessitava. Começou a precisar de armazenagens e surgiu a necessidade de trocas/comercialização com seus vizinhos e, conseqüentemente, transporte. Isto já era logística de uma forma potencial, não tão tecnologicamente avançada e integradora como moderna logística, mas já era logística. Evoluiu sendo utilizada nas guerras ao longo dos séculos. Era na retaguarda um setor estratégico, onde se estudava o adversário, fazia-se o planejamento militar, a movimentação e o deslocamento das tropas, suprimentos e equipamentos. Dadas as características da logística desenvolvidas para fins militares apresentarem muita afinidade com as atividades industriais, passou a ser utilizada nas empresas com mesmo sucesso, dando origem a logísticas empresarial.

DEFINIÇÕES DA LOGÍSTICA

A logística possui muitas definições formais formuladas pelos dicionários e também definições técnicas elaboradas pelos estudiosos. Das definições formais, entre tantas outras, temos: “a logística vem do francês logistique, é a parte da arte militar relativa ao planejamento, transporte e suprimento de tropas em operações; denominação dada pelos gregos à arte de calcular ou aritmética aplicada.” Partindo-se desta definição formal e traçando-se um paralelo com a moderna logística , ou seja, com o processo sistêmico de administrar com tantos benefícios inquestionáveis produzidos na indústria seriada, pode-se observar que houve um avanço substancial. Ela evolui em muitas outras áreas, constituindo-se numa ferramenta operacional que ultrapassou muitas fronteiras, possuindo hoje uma ampla área de atuação e abrangência nos mais diversos sistemas produtivos e empresariais. Isto fez com que a palavra suprimento não se restringisse apenas a materiais e produtos mas, também, a serviços e mão-de-obra. Estes fatos motivaram a que os estudiosos fizessem uma reformulação em termos conceituais atribuindo definições menos específicas, das quais destacam-se duas: “a logística é o planejamento e a operação de sistemas físicos, informacionais e gerenciais necessários para que os insumos e produtos vençam condicionantes espaciais e temporais de forma econômica.” (DASKIM,1985); “a logística é o processo de planejar, implementar e controlar, de forma eficiente e econômica, o fluxo de suprimentos e produtos, a armazenagem e o fluxo de informações correspondentes a todo o sistema desde a origem ao destino final, objetivando o atendimento às necessidades dos clientes.” (Council of Logistic Management,1998)

Pode-se constatar, de uma forma mais objetiva, que a logística é, portanto, um processo ou uma metodologia administrativa que se baseia fundamentalmente na conscientização para o emprego de conceitos, técnicas e procedimentos que encaminhem a maximização do nível de serviço e da produtividade numa cadeia de suprimentos.

LOGÍSTICA E A CONSTRUÇÃO CIVIL

A introdução da logística na construção civil pode ser efetivada de uma forma bastante similar ao seu emprego numa indústria de transformação seriada, dada analogia existente entre um canteiro de obras e uma unidade fabril. Para que se possa iniciar a análise da introdução da tecnologia logística na construção civil, deve-se inicialmente definir cadeia de suprimentos sob a ótica de uma indústria seriada: segundo a ABML, “é o conjunto de organizações que inter-relacionam, criando valor na forma de produtos e serviços, desde o fornecedor da matéria-prima até o consumidor final.” Esta definição sugere que ao longo de uma cadeia de suprimentos exista uma sucessão de serviços, manuseios, movimentações e armazenagens, possibilitando que se faça esta analogia com um canteiro de obras, onde este seria a unidade fabril com suas diversas organizações internas interdependentes (relação de continuidade) e intervenientes (relação de qualidade). Estas organizações internas seriam as diversas etapas e equipes constituintes de uma obra, ou seja, equipes de infra-estrutura (sondagem, escavação, cravação de estacas, confecção de blocos, etc.), equipes de supra-estrutura (formas, ferragem, concretagem, alvenaria, pintura, hidráulica, elétrica, etc.), apresentando numa extremidade os fornecedores externos e na outra o consumidor do produto. Estas equipes nada mais são do que clientes internos que necessitam serem supridos de frentes de serviço, mão-de-obra ou materiais.

Esta analogia mencionada acima é bastante clara, porém existem diferenças básicas entre a construção civil e a indústria manufatureira seriada, entre muitas outras, pode-se destacar:

– imobilidade do produto, a mão-de-obra é que se desloca ao longo do produto;

– mão-de-obra com alta rotatividade e, geralmente, desqualificada;

– cria produto único e não seriado;

– alto custo e tempo elevado de produção;

– não existe distribuição física; etc.

Deve-se considerar que estas diferenças de forma alguma servem como barreira ou empecilho para introdução da logística neste segmento industrial, entende-se de uma forma totalmente inversa que são situações que requerem ainda mais um gerenciamento mais apurado proporcionado, sem dúvida, pelo gerenciamento logístico.

OPERADOR LOGÍSTICO NA CONSTRUÇÃO CIVIL

O operador logístico que se propõe não é nos moldes da indústria seriada, ou seja, uma estrutura constituída por pessoa jurídica especializada em gerenciar as atividades produtivas de uma determinada empresa contratante. O que está se propondo é um administrador logístico que irá gerenciar o canteiro em harmonia com o engenheiro da obra, ou seja, uma pessoa física com elevado conhecimento da tecnologia logística, associado a uma experiência no setor construtivo.

O operador logístico pode-se dizer que é a pessoa física que irá materializar todo o processo logístico, ou seja, a pessoa que irá planejar, implementar e controlar todo o fluxo de materiais, serviços, mão-de-obra e a armazenagem com as respectivas informações associadas. Sendo a ele atribuída, portanto, a gestão da cadeia de suprimentos necessários a produção seja de materiais, serviços e mão-de-obra, deixando para o engenheiro de obras a análise, acompanhamento e o controle das especificações técnicas do projeto. Depreende-se daí que numa obra existirão dois gestores: o gerente técnico (engenheiro da obra) e o gerente de suprimentos (operador logístico). Entende-se que este desmembramento gerencial trará benefícios significativos ao processo produtivo como um todo, uma vez que cada gestor irá concentrar-se apenas em sua atividade específica.

É necessário, portanto, que em todo empreendimento, primeiramente, seja caracterizado claramente a figura do operador logístico o qual tomará para si a responsabilidade do planejamento e de todo desenvolvimento da obra no que diz respeito à logística de suprimentos, desde a fase do projeto até a última etapa de acabamento da obra. Partindo-se dessa premissa é de bom senso que a pessoa escolhida tenha o conhecimento prévio do empreendimento a ser executado, desde a fase inicial da elaboração do projeto construtivo. Os projetistas das diversas áreas de um sistema construtivo enfocam sua preocupação prioritariamente nos aspectos técnicos do seu projeto de forma a conduzir ao seu bom desempenho, sem uma preocupação maior com a compatibilidade com os demais. O profissional da logística, de uma outra forma, irá concentrar sua preocupação na integração e coordenação dos projetos. Irá compatibilizar a interdependência e a interveniência entre os mesmos, procurando de todas as formas minimizar problemas como a possibilidade de descontinuidade da produção por indefinições ou soluções mal formuladas nas interfaces entre diferentes projetos. Para tanto, é fundamental a sua participação em todas as fases do processo de projeto e no nível de organização dos mesmos.

Uma vez definido operador logístico este efetuará o planejamento global do sistema construtivo que será o parâmetro para a implementação e o controle do fluxo de suprimentos e a armazenagem com o respectivo fluxo de informações correspondentes ao longo do desenvolvimento da obra. Este planejamento constará basicamente:

– Planejamento do canteiro de obras, compatível com as características e especificidades do empreendimento a ser desenvolvido;

– Planejamento das atividades a serem executadas, estabelecendo cronogramas a partir do estudo as interfaces;

– Caracterizar bem as diversas atividades constituintes da obra e subdividir a execução da mesma em tarefas, analisando sua interveniências;

– Planejar no tempo e no espaço as necessidades de recursos materiais e humanos;

– Acompanhar o desenvolvimento dos serviços e tomar medidas para solucionar interveniências ou corrigir atrasos ao cronograma;

– Desenvolver um sistema estratégico de informações.

É importante ressaltar que para efetivação de um bom gerenciamento logístico é fundamental o desenvolvimento de um sistema estratégico de informações. Deve ser ágil e eficiente, tornando eficaz o fluxo de materiais e serviços, mantendo o sincronismo do setor produtivo (obra) com o departamento de suprimento e fornecedores externos.

Pode-se destacar como problemas enfrentados, entre outros, pelo gerente de suprimentos:

– Canteiro de obras: canteiro de obras mal planejado com lay out desorganizado gera problemas como necessidade de maiores espaços físicos, contrariando a lógica da maioria das obras geralmente executadas nos grandes centros, densamente habitados e com sérios problemas de espaço; conduz a uma maior circulação de materiais, equipamentos e pessoas, conduzindo a maiores perdas de tempo e materiais; mau planejamento dos estoques, conduzindo a movimentações desnecessárias proporcionando quebras e desperdícios; incompatibilidade dos equipamentos com matérias a serem movimentados, gerando perda de tempo e materiais; deterioração de materiais por má armazenagem; falta de unitização dos materiais e componentes, conduz a um excessivo manuseio favorecendo perdas de materiais e tempo; etc.

– Descontinuidade da produção: a descontinuidade da produção pode ocorrer por vários fatores como falta de frentes de serviço por descontrole das equipes de serviços interdependentes; falta de mão-de-obra por deficiência ou mau dimensionamento das equipes, como também, desconhecimento da produtividade das mesmas; falta de material por deficiência no planejamento ou controle dos materiais para suprir a mão-de-obra; retrabalhos por falta de controle das etapas de serviços intervenientes e deficiência de mão-de-obra gerando perda de tempo, ou seja, serviços subseqüentes têm que esperar por reparos, aliado ao fato que ocorrerão perdas de materiais.

LOGÍSTICA NA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA EMPRESA

Evidentemente que para a implantação de um gerenciamento logístico no sistema construtivo de uma empresa deve-se ter uma estrutura hierárquica-organizacional mínima da mesma. A ênfase será apenas para uma estrutura técnica-organizacional elementar desta empresa:

Área de Coordenação Logística-Operacional: será o setor responsável pela coordenação das subáreas de suprimentos das diversas obras em andamento da empresa. Administrará as necessidades de serviços, mão-de-obra e materiais das mesmas e encaminhando os pedidos, transmitindo-os por meio eletrônico (on-line) ao departamento de suprimentos. Para ocaso de empresas que possuam sob sua responsabilidade várias obras de porte considerável é recomendado que exista para cada obra um operador logístico, o qual se responsabilizará pela administração de suprimentos da mesma.

Área de Coordenação Técnica-Operacional: será o setor responsável pela coordenação dos engenheiros residentes nas diferentes obras da empresa. Fará a supervisão e controle do desenvolvimento estrutural das diversas obras. Esta área encarregar-se-á de decisões de caráter estratégico, tático e operacional das obras, repassando estas decisões ao engenheiro responsável pelas mesmas. O coordenador técnico será o responsável pelo suporte técnico estrutural para as diversas obras e também será sempre um canal aberto com o engenheiro residente para a solução de impasses e problemas rotineiros da obra sob sua responsabilidade.

Departamento de Projetos: este setor tem importância significativa na área técnica da empresa, especialmente, na etapa de concepção do empreendimento. A coordenação de projetos, terá a função de garantir a compatibilidade entre os diversos projetos, responsabilizando-se pela coordenação entre os projetistas. A idéia é que se consiga projetos compatíveis e que se possa elaborar um planejamento prévio de suprimentos (serviços, materiais e mão-de-obra), tornando fundamental a participação do coordenador logístico neste departamento como consultor/orientador.

CONTRIBUIÇÃO DA LOGÍSTICA NA CONSTRUÇÃO CIVIL

A logística é um processo administrativo incorporado nas empresas industriais seriadas, com benefícios inquestionáveis e vitais ao bom desempenho das mesmas. Portanto, também aplicável à indústria da construção civil, porém, para isso é necessário um processo de conscientização e divulgação aos empresários do setor, dos benefícios e as vantagens propiciadas pela tecnologia logística, podendo ser, até mesmo como um diferencial estratégico e competitivo da sua empresa.