Profissão cientista
27 de julho de 2021, às 9h44 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
A ciência é fundamental na sociedade e está em tudo que usamos. A ciência vale dinheiro e significa desenvolvimento econômico e social. Um país que investe na formação de cientistas e na construção de centros de pesquisa, consegue se colocar na linha de frente do mundo na produção de patentes e construção de soluções para a humanidade. Porém, os cientistas não nascem em árvore, e o processo de formação entre a graduação e o doutorado demanda um período que em geral varia entre 10 e 11 anos, além da formação básica que se obtém com a conclusão do ensino médio. Em um cálculo simples, é fácil dizer que se tudo der certo e ocorrer no tempo correto, uma pessoa que se dedica a pesquisa irá concluir o doutorado com uma idade entre 27 e 28 anos. Mas como é a vida destas pessoas durante o período de qualificação e quais são as oportunidades que elas possuem no Brasil após a conclusão do doutorado?
Os mestrandos e doutorandos no Brasil não são enquadrados plenamente nem como estudantes, nem como profissionais, e isso é um grande problema. As bolsas de mestrado e doutorado também possuem um valor que é muito baixo se considerado o nível de qualificação e a dedicação exclusiva destas pessoas as atividades de pesquisa. Hoje, um mestrando recebe 1.500 reais e um doutorando 2.200 reais, sem décimo terceiro, sem férias e sem contribuir para previdência social. Com esse valor eles precisam sobreviver e muitas vezes pagar elevadas taxas de congressos, anuidades de associações, entre muitas outras despesas corriqueiras da vida de pesquisador. Além disso, caso a pesquisa de mestrado ou doutorado não for concluída, normalmente a pessoa precisa devolver o valor das Bolsas de forma integral.
Em outros países como a Alemanha, os doutorandos são tratados como pesquisadores e em geral possuem contratos como trabalhadores e não como estudantes. Sim, esse debate é muito importante. O próprio termo “Bolsa” usado pelas agências de fomento traz junto uma ideia de assistencialismo ou “favor estatal” em apoiar os pesquisadores em formação, ou mesmo, aqueles que já estão no pós-doutorado, ou seja, que já concluíram todas as etapas educacionais.
Alguém que dedique todo seu tempo ao desenvolvimento da ciência e tecnologia precisa também ter direito a uma vida digna. Dizer que um mestrando ou doutorando precisa se dedicar de forma integral a sua pesquisa sem que se tenha um subsídio adequado, é o mesmo de dizer que só pode fazer ciência no Brasil quem é filho de rico ou da classe média. Uma remuneração justa, ter direito a férias e a existência de outros tipos de auxílios para quem trabalha em condições insalubres, são alguns itens básicos que precisam ser discutidos.
Além da situação de mestrandos e doutorandos, precisamos ressaltar a necessidade de o Brasil criar e/ou fortalecer dentro das universidades e centros de pesquisa, a carreira de pesquisador. E peço ao leitor para não misturar com a carreira de professor. Entendo que é possível existir contratos e concursos específicos para pesquisa em todas as áreas de conhecimento. O sonho de atuar como pesquisador não precisa necessariamente estar vinculado a atuação como professor.
Nas últimas duas décadas o Brasil conseguiu ampliar de forma significativa a sua estrutura de pós-graduação e com isso inúmeros brasileiros conseguiram ter acesso a programas de mestrado e doutorado. Mas agora temos dois novos desafios. Um deles é continuar essa evolução, em especial nos estados onde os cursos de pós-graduação ainda são novos e poucos estruturados. O segundo desafio é conseguir assimilar estes mestrandos e doutorados dentro da estrutura pública e privada no país. Precisamos incentivar que o setor privado invista mais em pesquisa, e isso pode ser feito com legislações e políticas setoriais específicas. Porém, é fundamental que o governo também fortaleça as universidades e centros de pesquisa, criando oportunidades para que essa juventude de pesquisadores consiga colocar em prática o conhecimento adquirido. O Brasil precisa de uma política de ciência e tecnologia ampla e que atue em todo território nacional.
Caso isso não seja feito, continuaremos a ver cada vez mais brasileiros com elevado nível de formação buscarem oportunidades em outros países. Alguns setores da imprensa e da política gostam de ressaltar como positivo existir grandes quadros do Brasil em instituições de pesquisa em outros países do mundo. Porém, muitas destas pessoas não estão no Brasil devido à falta de centros de pesquisa, de suporte a ciência e de remunerações adequadas. O desenvolvimento do Brasil passa pela mão dos pesquisadores. Precisamos fortalecer a carreira de cientista no Brasil e reconhecer a importância e a dedicação destas pessoas ao país.
Caiubi Kuhn
Professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT), mestre em Geociências (UFMT).