Transportes para a integração
21 de agosto de 2012, às 15h12 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
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Carlos de Meira Mattos, 91, general reformado do Exército e doutor em ciência política. É veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra. Artigo veiculado no jornal Folha de SP, em 21/09/2004
Uma geopolítica de integração com as nove Repúblicas nossas vizinhas -Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname- e outras duas com quem nossas fronteiras não se confinam, Chile e Equador, não se consolidará apenas com os empenhos de uma vigorosa vontade política e de uma diplomacia esclarecida e dinâmica. É mister estruturar essa integração.
O primeiro passo será integrar os três acordos regionais já existentes -Mercosul, Pacto Andino e Pacto Pan-Amazônico. Esses três acordos já revelam os propósitos associativos dos 12 países. Está faltando um impulso diplomático unificador que os reveja, amplie seus objetivos, articulando-os e os dotando de mecanismos de incentivo econômico de interesse comum.
Entretanto a efetivação verdadeira da integração exigirá o estabelecimento de uma infra-estrutura de transportes que aproxime os 12 países e permita o intercâmbio mais íntimo entre as suas populações, os seus produtos e o seu comércio, enfim, que vertebre o território subcontinental como um todo. As redes de vias articuladas com uma visão integracionista incentivarão o desenvolvimento das regiões interiores e despovoadas (as grandes bacias dos rios Amazonas e Orinoco, as vertentes leste da cordilheira dos Andes, a Patagônia) e abrirão a todos o acesso aos centros de polarização administrativa e econômica e a livre utilização optativa dos portos do Atlântico e do Pacífico para suas relações comerciais com o mundo.
Impõe-se estruturar fisicamente a América do Sul, para que ela atue no mercado mundial como um verdadeiro bloco econômico, e não fracionada em unidades nacionais de fraca competitividade. Não temos dúvidas de que, na era da globalização, só os grupos econômicos de maior peso terão espaço para sobreviver. Para adquirir valor competitivo, terão que atuar em blocos econômicos regionais. Os países da Europa já se anteciparam na compreensão dessa necessidade de atuarem economicamente em conjunto. Criaram a União Européia.
O bloco sul-americano deverá se mostrar apto a se debruçar sobre os dois grandes oceanos que envolvem a massa subcontinental, Atlântico e Pacífico, utilizando livremente os seus portos, conforme a melhor conveniência e vantagem para cada um de seus países.
Para isso será necessário construir uma rede de transportes terrestres interpaíses e interoceânica capaz de tornar efetivo o propósito e atuar como um mercado econômico unificado. Muito ainda falta para que se tenha essa vertebração hemisférica garantida por vias terrestres e fluviais, complementando e assegurando a articulação de seu corpo físico. A aviação comercial, pioneira dessa integração desde os anos 20, hoje muito mais bem equipada, completará os objetivos unionistas.
Alguma coisa já temos no que respeita ao transporte terrestre e fluvial regional sul-americano; muito mais teremos que implantar. Um projeto efetivo deverá atender as ligações interpaíses e estabelecer eixos interoceânicos, ligando portos do Atlântico aos do Pacífico.
No que se refere às conexões entre países vizinhos, a grande lacuna situa-se na fronteira norte. No sul e no oeste estamos interligados, satisfatoriamente, via terrestre e fluvial, com a Argentina, Uruguai, Paraguai e -razoavelmente- com a Bolívia. Na fronteira norte, a única estrada interpaíses satisfatória é a via pavimentada Manaus-Caracas. As pequenas vilas e os pelotões do Exército disseminados na fronteira imensa com a Guiana Francesa, Suriname, República da Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia Amazônica, distanciados e quase isolados dos centros de poder de seus países, contatam-se e mantém um pequeno comércio de sobrevivência com áreas próximas. Caminhoneiros ousados conseguem, ocasionalmente, alcançar cidades maiores mais distantes da faixa fronteiriça. Quando a navegação fluvial favorece, é utilizada.
O mais importante, porém, para que se concretize o conceito de bloco político e econômico sul-americano, será a construção dos eixos interoceânicos. É preciso vertebrar o grande massa hemisférica, despertar, valorizar, potencializar os seus recursos e riquezas adormecidos. Já temos dois eixos interoceânicos em utilização regular: Santos-Uruguiana-Valparaíso, no Chile, cruzando o território argentino, e a histórica ligação ferroviária Santos-Arica, no Chile, passando pelo território boliviano, inacabada no trecho Santa Cruz-Cochabamba, substituído por rodovia.
Há dois projetos de ligação interoceânica cuja implementação é indispensável para que se alcance uma verdadeira integração. São os sobejamente estudados eixos ligando Santos, por Rio Branco (Acre), ao porto de Ilo (Peru) e o aproveitamento do trecho francamente navegável Manaus-Iquitos (Peru), daí alcançando por rodovia o porto de Callao (Peru). Ambos eixos oferecem variantes no território peruano.
A síntese desse artigo é que não haverá uma real integração sul-americana se não for acompanhada da construção de uma infra-estrutura de transportes interiores.