Último Encontro – Coronel José Meirelles fala dos desafios da abertura da BR-163
30 de agosto de 2012, às 12h33 - Tempo de leitura aproximado: 5 minutos
Na última terça-feira, dia 28 de agosto, a Arma de Engenharia Militar e o Sistema Confea/Crea sofreram a perda irreparável do ilustre Coronel José Meirelles, que muito contribuiu para a história desse país e mais significativamente para o desenvolvimento do Estado de Mato Grosso.
Em homenagem a esse engenheiro militar que despertou grande admiração em todos que puderam relacionar-se com ele, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Mato Grosso (Crea-MT) publica reportagem inédita realizada com a colaboração do Coronel Meirelles no ano de 2011.
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Desafios da Abertura da BR-163
A abertura da Amazônia ao Brasil e ao mundo, por via seca, representou a entrada para o desenvolvimento da região, mas também permitiria a saída dos recursos naturais. A frase de forte reflexão geopolítica resume o desafio da BR-163, que foi aberta nos anos 1970 por uma grande missão militar e tem prevista a conclusão da sua pavimentação para este ano, mais de 40 anos depois.
Mas não são apenas números, disputas políticas ou interesses econômicos, os 1.780 quilômetros da BR-163 carregam lendas e histórias de vidas em uma estrada que atravessa uma das regiões mais ricas da Amazônia e do país em recursos naturais, potencial econômico, diversidade étnica e cultural, com a presença de biomas como a Floresta Amazônica, o Cerrado e áreas de transição, entre eles, bacias hidrográficas importantes, como a do Amazonas, do Xingu e Teles Pires-Tapajós.
A mística desde sua abertura inicia em seu traçado, que forma uma cruz pelo entroncamento da BR-163 e a Transamazônica. "A cruz era o emblema da fé que alimentava todos os integrantes do 9º BEC, cientes do radiante futuro que estavam preparando", conta o coronel José Meirelles, engenheiro militar que comandou o 9º Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) do Exército Brasileiro durante a abertura do trecho Sul da rodovia, no período de 1971 a 1973, ligando Cuiabá a Serra do Cachimbo.
Sua abertura se deu em duas frentes, uma no sentido Sul – Norte e a outra Norte – Sul, a partir da Serra do Cachimbo. Após a cravação dos piquetes a cada 20 metros, era utilizada a aerofotogrametria seguindo o divisor das bacias Tapajós e Xingu. As dificuldades de aberturas desses caminhos eram sobre-humanas, os suprimentos eram recebidos por via aérea. Eram 60 dias de trabalho para uma semana de descanso.
"A grande pergunta que nos fazíamos era se estávamos aptos culturalmente a abrir aquela estrada sem causar muitos danos, tanto à população que ali habitava quanto à natureza", mencionara o coronel Meirelles, referindo-se aos índios gigantes que ainda não haviam tido contato com o homem branco, os Krenacarores.
Além do desenvolvimento e integração, a abertura da BR-163 também levou à população indígena local doenças como a gripe e o sarampo, que obrigou a Funai a fazer a mudança deles para o Parque do Xingu. Hoje os Krenacarores, denominados "Paraná", estão retornando a sua antiga área. "Um de nossos homens chegou a ser flechado, mas tivemos a ajuda dos conhecidos sertanistas Cláudio e Orlando Vilas Boas. Junto realizávamos sobrevoos sobre as aldeias e víamos a grande compleição dos índios Krenacarores, razão pela qual eram chamados de gigantes", relata.
Para o comandante da operação, tecnicamente a maior dificuldade era manter o acampamento próximo dos trabalhadores, já que a abertura seguia um ritmo de 2 km por dia. "Em 15 dias estavam distantes 30 km. Surgiu então a ideia de acampamentos móveis, a que chamamos de carroções".
Com a abertura, vieram também os imigrantes em busca das novas fronteiras agropecuária e florestal. Meirelles confessa que naquela época a visão era de que antes de construir uma obra, era preciso construir o homem, único fator decisivo do progresso e da sustentabilidade do modelo de ocupação da Amazônia. "É claro que nossos governos não tiveram a capacidade de manter terras públicas livres para a reforma agrária. O fator econômico massacrava qualquer ideia de sustentabilidade".
O asfaltamento da estrada ainda não foi concluído – restam ser pavimentados alguns quilômetros entre Guarantã do Norte (MT) e Santarém (PA) -, mas tornou-se, nos últimos anos, reivindicação de vários setores econômicos regionais, uma vez que barateará o escoamento da produção agropecuária de Mato Grosso, um dos polos mais dinâmicos do país no cultivo de grãos, em direção ao rio Amazonas. Além disso, segundo empresários e políticos, a pavimentação da rodovia também encurtará o transporte dos produtos eletroeletrônicos produzidos na Zona Franca de Manaus até os grandes centros da região Sul. Por outro lado, agricultores familiares reivindicam políticas e ações que se antecipem à obra para garantir os benefícios que ela promete.
"É inegável que a abertura da BR-163 trouxe perdas irreparáveis para a região, mas também justificou a separação dos Estados (MT e MS), trouxe desenvolvimento e diminuiu a distância entre os centros econômicos do país. Por todos esses fatores, o asfaltamento da BR-163 é um desafio para as organizações da sociedade que defendem um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia", afirmou Meirelles.
*Rafael Maximiano
Gecom/Crea-MT